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16 de setembro de 2025Os ministros do Superior Tribunal de Justiça Regina Helena Costa e Paulo Sergio Domingues apresentaram, na semana passada, uma proposta de ato normativo para regular a judicialização dos impostos criados pela reforma tributária.
Integrantes de um grupo de trabalho do STJ que estudou os possíveis impactos judiciais das novas regras, os magistrados propõem uma “política de litigante único”. A ideia é que as ações sobre a cobrança de um tributo sejam concentradas em um ente da federação (a União, o estado ou o município), que seria definido a partir de determinados critérios.
O objetivo central da proposta, segundo os ministros, é evitar a multiplicação de processos relativos ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e à Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), os dois tributos resultantes da reforma. Em relatório publicado no final de abril, os magistrados estimaram que a carga processual tributária no Brasil pode até triplicar com as novas regras, que serão implantadas de forma gradual de 2026 a 2032.
Tributaristas ouvidos pela ConJur sobre o tema avaliam que o STJ está correto ao buscar um sistema que evite a múltipla judicialização. Eles acreditam, porém, que a proposta do litigante único adota critérios questionáveis, deixa dúvidas sobre contenciosos administrativos e abre brecha para decisões discrepantes sobre o mesmo tributo, a depender do foro julgador.
A reforma tributária é focada em impostos sobre o consumo. O ICMS, de competência estadual, e o ISS, municipal, serão gradualmente substituídos pelo IBS, que terá atribuição compartilhada entre estados, municípios e o Distrito Federal. Já a Cofins e as contribuições do PIS e do Pasep darão lugar à CBS, que ficará sob responsabilidade da União.
A estrutura legal da reforma (a Emenda Constitucional 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025) não criou regras para a resolução de litígios sobre os novos tributos. A emenda apenas estabeleceu que o STJ julgará conflitos entre os entes federativos e o Comitê Gestor do IBS — órgão que fará a arrecadação e a gestão desse imposto —, mas não regulou o julgamento de causas dos contribuintes.
Para resolver esse problema, o STJ propõe que apenas um ente federativo represente os interesses do Fisco em cada caso. Isso valeria tanto para ações de execução fiscal quanto para contestações ajuizadas pelos contribuintes. Para decidir qual ente será o responsável, os ministros sugerem dois critérios:
Porte do contribuinte
— União deve litigar com contribuintes sujeitos ao regime de lucro real (em geral grandes empresas, com faturamento acima de R$ 78 milhões por ano);
— O estado de domicílio do contribuinte deve litigar com sujeitos ao lucro presumido (em geral médias empresas);
— O município de domicílio do contribuinte deve litigar com optantes pelo Simples Nacional ou pessoas físicas.
— No caso de execuções (ou ações anulatórias) de crédito tributário, o que conta é o valor do crédito, e não o porte do contribuinte. Ações de “elevado valor” devem ficar com a União, enquanto as de “pequeno valor” cabem aos municípios.
Para os especialistas ouvidos pela ConJur, a proposta do STJ abre margem para entendimentos judiciais diferentes sobre o mesmo tributo, a depender do nível do ente federativo. Uma controvérsia sobre a cobrança do IBS, por exemplo, poderia resultar em decisões discrepantes entre um tribunal estadual e a Justiça Federal, por exemplo.
“A proposta abre a possibilidade de respostas judiciais diferentes para o mesmo tributo vindas, simultaneamente, das Justiças estaduais e Federal, a depender de quem esteja legitimado para o processo judicial”, avalia Marcos Meira, sócio-fundador do escritório M. Meira Advogados.
Para Igor Mauler Santiago, sócio-fundador do Mauler Advogados, a possível “bola dividida” entre os entes é o maior gargalo da proposta. “O diagnóstico é preciso, e a proposta é inteligente, numa lógica de federalismo cooperativo. Só tenho dúvidas se a União aceitaria ter os seus créditos defendidos por outro ente e se estados e municípios aceitariam um papel secundário na cobrança”, pondera ele.
A avaliação é compartilhada por Diego Diniz Ribeiro, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “A proposta não resolve o problema da falta de uniformização. Nós podemos ter um mesmíssimo fato tributário que resulte em uma decisão da Justiça Federal num sentido e uma decisão da Justiça estadual em sentido oposto.”
Na visão de Júlio M. de Oliveira, sócio do Machado Associados, haverá chance de entendimentos discrepantes não apenas em âmbito judicial, mas também no administrativo. “Não se sabe quais serão os tribunais judiciais competentes para os litígios tributários do IBS e da CBS. Também na esfera administrativa há uma grande desconfiança de que se mantenham instâncias diversas, com multiplicidade de entendimentos.”
Os advogados consultados pela ConJur têm visões diversas sobre a melhor forma de resolver o problema. Para a maioria deles, os litígios deveriam ficar concentrados na Justiça Federal.
“Na minha visão, toda causa envolve de alguma forma a União, porque o IBS e o CBS operam com a mesma lei, as mesmas regras, o mesmo fato gerador. Ou seja, toda causa acaba tendo repercussão federal, então a Justiça Federal deveria julgar”, opina Mary Elbe Queiroz, presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (Cenapret).
“Qualquer projeto de lei deveria unificar o julgamento desses tributos numa única esfera administrativa. Os dois tributos novos são gêmeos e merecem julgamentos numa esfera que congregue a União, os estados e os municípios. A via múltipla que está sendo traçada será geradora de conflitos e de insegurança jurídica”, prevê Júlio de Oliveira.
Fonte: Conjur
