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29 de julho de 2025Bobby Fischer, ao criar o Fischer Random Chess, embaralhou deliberadamente a posição inicial das peças. Seu objetivo era claro: restaurar a criatividade no jogo e romper com repetições mecânicas.
No Direito, uma metáfora semelhante foi cunhada por Luis Alberto Warat, sempre evocada por Lenio Streck: o jogo da Katchanga, em que as regras não são conhecidas de antemão e podem ser criadas durante a partida por quem deseja vencer.
Esses dois paradigmas, o aleatório de Fischer e o imprevisível da Katchanga, oferecem chaves simbólicas para compreender os efeitos do julgamento do Tema Repetitivo 677 pelo Superior Tribunal de Justiça. A ausência de modulação temporal dos efeitos da tese firmada contribuiu para a sensação de embaralhamento das posições no tabuleiro jurídico, surpreendendo aqueles que, até então, jogavam sob regras aparentemente estáveis.
O que dizia o Tema 677
Durante muito tempo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que, ao fazer um depósito judicial para garantir o juízo, o devedor deixaria de arcar com os juros e a correção monetária, já que esses encargos seriam, em tese, compensados pelos rendimentos do próprio depósito.
Essa prática permitia ao devedor, ao mesmo tempo, apresentar sua defesa e suspender o avanço da dívida. O valor ficava depositado até a decisão final, e havia a confiança de que, estando o juízo garantido, os encargos da mora não continuariam a correr.
Na essência, era uma forma legítima de se defender e evitar o aumento do débito enquanto se discutia judicialmente a validade da cobrança.
Em julgamento recente, por maioria apertada (7 a 6), a Corte Especial do STJ adotou posição distinta. Fixou-se que o depósito judicial, quando realizado apenas para garantir o juízo ou proveniente de bloqueio não suspende os encargos da mora. Esses encargos continuam a incidir até o efetivo pagamento ou a entrega do valor ao credor.
Essa guinada jurisprudencial, além de não ter sido acompanhada de modulação de efeitos, passou a ser aplicada retroativamente. Devedores que, em conformidade com a jurisprudência então vigente, haviam realizado depósitos integrais há anos, depararam-se, do dia para a noite, com a exigência de encargos adicionais expressivos, como se o depósito não tivesse ocorrido.
Em determinados casos, essa virada interpretativa implicou o surgimento de uma nova dívida, vultosa, em processos que já tramitavam havia longo tempo, transformando o que parecia resolvido em passivo inesperado de proporções milionárias.
Mudanças de entendimento são, em tese, legítimas e muitas vezes necessárias. No entanto, quando produzem efeitos retroativos e ignoram situações já consolidadas sob a égide da orientação anterior, comprometem gravemente a segurança jurídica.
A ausência de modulação, embora discutida nos autos e ainda objeto de embargos de declaração, resultou em tratamento desigual a jurisdicionados de boa-fé, que agiram conforme o entendimento reiteradamente firmado pelo próprio Tribunal.
Em muitos casos, a aplicação retroativa dessa nova orientação gerou impactos econômicos severos, atingindo não apenas empresas que atuaram com diligência e previsibilidade, mas também pessoas físicas, que foram surpreendidas por dívidas inesperadas, frequentemente incompatíveis com sua capacidade financeira.
No julgamento do Tema Repetitivo 677, a ausência de um regime de transição entre entendimentos consolidados e a nova orientação adotada teve o condão de abalar a estabilidade das relações jurídicas e processuais.
Não se trata de censura à evolução da jurisprudência, que é legítima e necessária, mas de advertência sobre os riscos de se promover mudanças interpretativas sem a devida atenção às expectativas jurídicas legitimamente formadas, especialmente quando em jogo o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e outros princípios de estatura constitucional.
É nesse cenário que ganha especial relevo o artigo 23 da Lindb (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), ao determinar que decisões judiciais que imponham novo dever considerem suas consequências práticas. A norma exige, com prudência, a previsão de regime de transição, precisamente para resguardar a segurança jurídica.
Mais do que um comando legal, trata-se de um imperativo ético do sistema: não se muda a regra do jogo sem dar aos jogadores a chance de se adaptar. Afinal, a credibilidade do próprio Direito repousa, em última instância, sobre sua estabilidade, previsibilidade e coerência.
Fonte: Conjur
