A Reforma Tributária e o Tratamento Confiscatório aos Autônomos: Análise Técnica à Luz da LC 214/2025
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2 de junho de 2025A resolução da relação jurídica contratual imputável gera três efeitos: liberatório (liberando as partes das obrigações principais/primárias do contrato), indenizatório (indenizando o credor pelos dados sofridos) e restituitório (restituindo às partes as prestações já realizadas), desdobrando o processo obrigacional na medida que a relação jurídica é modificada para visar à reparação dos danos sofridos pelo credor e restituir as prestações já cumpridas pelas partes, no que se convencionou chamar de relação de liquidação.
Na relação de liquidação, surge a pretensão de o credor exigir as perdas e danos sofridas e a pretensão, tanto do credor quanto do devedor, a depender do caso concreto, de exigir a restituição das prestações cumpridas anteriormente.
Afora o debate existente quanto ao prazo prescricional da responsabilidade civil contratual, pacífico no STJ quanto ao prazo de dez anos do artigo 205 do Código Civil, surge a questão de saber qual o prazo prescricional das pretensões restituitórias que decorrem da resolução da relação jurídica contratual imputável, notadamente diante da ausência de dispositivo expresso no Código Civil a respeito.
Sobre esse tema, pode-se cogitar três posições distintas para o problema: (1) a primeira, tal qual o prazo decenal do efeito indenizatório, aplica-se o artigo 205 do Código Civil; (2) a segunda, aplica à pretensão restituitória o prazo prescricional do enriquecimento sem causa, de três anos, previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil; e (3) a terceira posição, aplicar-se-ia o prazo prescricional da própria pretensão da prestação contratual, de modo a aplicar o prazo previsto para cada contrato e em sua ausência o prazo geral do artigo 205 do Código.
A primeira posição, que sustentaria o prazo decenal para o efeito restituitório, careceria de preferência dogmática por se tratar de regra subsidiária, que demanda um escrutínio prévio das demais possíveis hipóteses existentes na legislação antes de ser aplicada. Trata-se de aplicação da regra da especialidade do dispositivo legal para tratar de situações específicas. Caso não haja nenhuma regra que tutele as pretensões restituitórias, poder-se-ia cogitar na sua aplicação.
A segunda posição, por sua vez, demanda uma análise mais robusta.
Há em doutrina quem defenda que a pretensão de restituição que decorre da resolução contratual imputável deve se submeter ao prazo trienal do enriquecimento sem causa, precisamente porque o próprio fundamento e fonte da obrigação de restituir seria o instituto do enriquecimento sem causa.
Defendem essa posição, em especial, Eduardo Nunes de Souza e Rodrigo da Guia Silva, os quais sustentam que a análise funcionalizada do instituto, a partir da renovada construção das fontes obrigacional, quais sejam: contrato, ato ilícito e enriquecimento sem causa, leva à conclusão de que a restituição na resolução contratual é uma hipótese de fonte obrigacional do enriquecimento sem causa e, por isso, naturalmente, dever-se-ia aplicar o prazo trienal previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil.
De fato, os professores acertam quando sustentam que há três fontes obrigacionais: as declarações de vontade, os atos ilícitos e o enriquecimento sem causa. A renovação das fontes obrigacionais andou nesse sentido, melhor construindo, à luz do Código Civil de 2002, as fontes das obrigações.
Ocorre que não parece acertado o argumento de que o fundamento obrigacional do efeito restituitório na resolução da relação jurídica contratual imputável seja necessariamente o enriquecimento sem causa.
Como a relação de liquidação não apaga retroativamente o contrato, mas apenas modifica a relação jurídica contratual em uma nova fase, como se nunca houvesse existido, o próprio fundamento da resolução contratual, e seus efeitos, é a declaração negocial de vontade que gera efeitos que decorrem da própria relação jurídica contratual. A fonte obrigacional, nessa linha, não é o enriquecimento sem causa, mas a própria declaração de vontade e o contrato.
Recorda-se que o princípio que fundamenta o instituto do enriquecimento sem causa é o princípio da conservação estática dos patrimônios: “Segundo esse princípio, o valor dos bens e direitos atribuídos a alguém e dos bens e direitos gerados a partir desses bens e direitos já atribuídos deve permanecer, em princípio, no patrimônio desse alguém”.
Os exemplos são fartos, como quando alguém deposita dados valores na conta bancária de outrem, por engano, sem nenhuma razão justificadora para tal depósito. O que fundamenta o dever daquele que se enriqueceu às custas de outrem a devolver os valores é o enriquecimento sem causa.
Diferentemente é a hipótese de uma válida relação jurídica contratual resolvida. Nesse caso, o que justifica o dever de restituir é a própria relação jurídica contratual modificada, repondo-se aquilo que foi prestado como novos deveres e novas pretensões, todos fundados na própria relação jurídica contratual, que surgem da resolução imputável da relação contratual. A resolução do contrato, embora tenha a capacidade de levar ao desfazimento do vínculo jurídico, não significa a extinção da relação.
Em verdade, com a resolução, opera-se a supressão das prestações principais, mantendo-se, entretanto, uma “relação entre as partes, decalcada do contrato existente”, composta pelos deveres de diligência, segurança e informação e por um dever de indenizar, compensando integralmente o credor. Como sustenta Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “o efeito extintivo retroativo da resolução atinge a prestação principal e os deveres acessórios, liberando ambas as partes, mas não extingue a relação contratual global, sobre a qual se fundamentam o dever de restituir e o de indenizar”.
Em síntese, não se deve confundir os efeitos da resolução com a noção de desaparecimento da relação contratual, tal qual ela nunca tivesse existido. A resolução “não põe um ponto final no contrato”, isto é, não suprime integralmente a relação contratual, ou a fonte que justificava as transferências patrimoniais, mas, antes, inicia um processo complexo tendente à liquidação, como dito acima, modificando a situação até então existente, com a supressão dos deveres de prestação derivados do contrato. Nesse sentido, permanece uma relação, mas agora com obrigações, às partes, almejando o regresso dos contratantes ao status quo ante, no sentido de colocar o contratante numa situação material que corresponde a que existiria se o contrato não tivesse sido celebrado.
Consequentemente, se o dever restituitório que surge da resolução contratual tem como fonte obrigacional a relação jurídica contratual, ou a declaração de vontade negocial, a pretensão que dali decorre deve ter, como corolário lógico-jurídico e coerência dogmática do instituto, prazo prescricional com fonte contratual.
Dessa forma, o prazo prescricional iniciará sua fluição nos casos de restituição na resolução contratual imputável quando a parte deixar de devolver a prestação que recebeu, quando ocorrer a resolução, seja legal ou convencional, a depender do caso. Nessa hipótese, como surge o dever de restituir e a parte descumpre, iniciará o prazo prescricional da pretensão de exigir a devolução da prestação efetuada, à luz do artigo189 do Código Civil.
Por sua vez, o prazo observará o daquele determinado para o tipo prestacional. Caso se esteja diante da devolução de valores pagos, por exemplo, aplicar-se-á o prazo do artigo 206, § 5º, I, do Código Civil. Se, eventualmente, determinada prestação contratual não possuir prazo específico regulado em lei, aplicar-se-á o prazo geral do artigo 205 do Código Civil.
Fonte: Conjur
