O título pode parecer pitoresco, mas a verdade é que a Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023 trouxe mudanças que afetam todos os setores e atividades econômicas, inclusive o aluguel de bicicletas compartilhadas. Trouxe também novos princípios para o sistema tributário brasileiro, dos quais destacamos a justiça tributária, o combate à regressividade e a defesa do meio ambiente (artigo 145, §3º e §4º). Guardem estes princípios.
As mudanças incluem a uniformização de alíquotas para todos os produtos e serviços comercializados dentro de um mesmo território, de modo que União, estados e municípios não poderão mais definir alíquotas diferenciadas para este produto ou aquela atividade, com exceção de alguns setores, como por exemplo, a saúde, educação, desporto e transportes, dentre outros, expressamente previstos na EC 132/2023 como hipótese de redução de alíquotas, cabendo à lei complementar definir quais atividades enquadram-se na previsão.
Estranha o fato das bicicletas compartilhadas — atividade desportiva e meio de transporte cujos impactos positivos para a saúde, lazer, mobilidade urbana e defesa ao meio ambiente são inegáveis — não constarem em nenhuma exceção do PLP 68/224. Ora, trata-se de atividade benéfica à saúde, que é desporto e transporte, e também amiga do meio ambiente. Todos estes setores foram contemplados pela EC 132/2023, mas a bicicleta foi esquecida pelo PLP 68/2024.
É certo que quanto mais exceções, maior a alíquota de referência. Também é certo, contudo, que as exceções que estimulam comportamentos positivos — como o uso de bicicletas — trazem benefícios que tendem não apenas a compensar a perda arrecadatória (irrisória no caso das bicicletas), como também a economia de gastos públicos e outros ganhos decorrentes.
A saúde, direito fundamental na Constituição (artigo 6º, caput), é a primeira beneficiada: a Organização Mundial da Saúde (OMS) constatou que pedalar diariamente por 20 minutos reduz em 10% o risco de mortalidade de doenças cardiovasculares e 30% o risco de diabetes tipo 2 e a mortalidade relacionada ao câncer.
Também é dever do Estado fomentar práticas desportivas e incentivar o lazer como forma de promoção social, nos termos do artigo 217, inciso IV e §3º. O incentivo ao uso de bicicletas atende plenamente esse comando constitucional, revertendo-se na melhoria da saúde e qualidade de vida, gerando benefícios físicos e mentais, tais como aprimoramento do sono e melhora do desempenho profissional e de quadros clínicos de depressão crônica.
Em que pese a defesa do meio ambiente, trata-se de um meio de transporte com impacto ambiental muito positivo. Ao passo que a utilização de um veículo emite 107g de carbono em apenas uma hora, as bicicletas não geram emissões de gases de efeito estufa (GEE), contribuindo também para a saúde com a diminuição de doenças respiratórias geradas por poluentes.
A defesa do meio ambiente, aliás, é princípio regente da ordem econômica brasileira (artigo 170, VI) e tornou-se também princípio do sistema tributário nacional (artigo 145, §3º), sendo dever do poder público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (artigo 225, caput) e cuja competência é comum a todos os entes (artigo 23, VI, da CF/88): nada melhor do que o IBS e a CBS para contemplar estes comandos.
Por fim, é também dever do estado assegurar ao cidadão o direito à mobilidade urbana (artigo 144, §10, I). Neste sentido, a bicicleta compartilhada funciona como uma alternativa ou complemento do transporte público coletivo, permitindo o deslocamento de forma rápida e barata independente do fluxo do tráfego, contribuindo para diminuição do trânsito nas cidades.
Por fim e mais importante: trata-se de um meio de trabalho para milhares de cidadãos de baixa renda que utilizam bicicletas para realizar entregas, o que também demonstra sua importância social. Atribuir-lhe o desconto de 60% nas alíquotas atende o princípio da justiça tributária e o combate à regressividade.
Vale dizer que a experiência internacional já reconhece a necessidade de desoneração desse bem. Em 2021, o Conselho da União Europeia introduziu no Anexo 35 das Diretivas do VAT bens e serviços ecológicos na lista para os quais são permitidas taxas reduzidas, incluindo bicicletas comuns e elétricas. Portugal e Bélgica já instituíram a redução, enquanto outros países, a exemplo da Espanha, estão em estágio avançado de discussão.
No Chile as bicicletas compartilhadas são enquadradas como transporte público sujeitas a alíquota zero de IVA. Na Colômbia, aplica-se um regime diferenciado de apuração, que considera o valor do bem alugado e o preço do serviço, de modo que a alíquota efetiva do IVA é inferior a 0,2%.
No Brasil, incluir as bicicletas na hipótese de redução de alíquota aplicável ao desporto é uma importante política fiscal a ser adotada pelo Estado, com impactos positivos para a saúde e defesa do meio ambiente, incentivando este transporte sustentável e promovendo a mobilidade urbana e, acima de tudo, representaria importante aspecto de justiça tributária e combate à regressividade, garantindo o acesso a milhares de trabalhadores que têm, nas bicicletas, sua fonte de renda.
Fonte: Conjur