A empresa, seguramente, é a instituição social que, devido ao seu dinamismo, influência e poder de transformação, melhor define a civilização atual. Fábio Konder foi seguro ao definir esta instituição social que é fundamental para as relações sociais e econômicas modernas. Outrossim, é responsável pela geração de riqueza, pela movimentação de bens e serviços no comércio, contribui para a arrecadação fiscal, aumentando o capital dos investidores; gera renda para contraprestação de serviços aos trabalhadores, contribui para o crescimento social e econômico.
O professor Ivanildo Figueredo (2019, p. 314) afirma sobre a importância social e econômica das microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP): em termos estatísticos, a importância das microempresas e das empresas de pequeno porte ganha muito maior relevo na realidade econômica brasileira, considerando que elas representam mais de 98% das empresas, a esmagadora maioria das empresas nacionais.
Francisco Satiro expõe em sua obra que o estudo realizado e publicado pelo IBGE, confirmou um aumento contínuo das microempresas e empresas de pequeno porte em atuação no território nacional, as quais atingiram um percentual de 97,6% do total de empresas brasileiras em atuação. O resultado dessa soma, colocava no mercado de trabalho mais de sete milhões de pessoas, correspondente a cerca de 10% da população brasileira ocupada, sendo encarregados pela geração de mais de 20% da receita bruta advinda dos setores de comércio e serviços.
Filipe Denki Belém Pachecó aduz que, conforme a apuração do Sebrae, as microempresas e empresas de pequeno porte, ultrapassando a casa de nove milhões de empresas, são responsáveis por 98,5% das empresas privadas, correspondem a 27% do PIB, bem como a 54% dos empregos formais.
A Constituição Federal, através dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, inseridos como fundamentos da República Federativa, onde a atividade comercial necessita de forma conjunta observar, além desses fundamentos, os princípios que estruturam a economia para que o empresário seja capaz de ser alcançado pelos benefícios legais e fundamentais da Constituição, como o trabalho, a diminuição das disparidades sociais, regionais e o crescimento de uma economia próspera.
As microempresas e empresas de pequeno porte têm um procedimento especial na Lei de Falência e Recuperação Judicial, em consonância aos artigos 170, IX e 179, ambos da Constituição Federal; caso queiram se submeter ao procedimento específico da lei, deverão de forma expressa aderir ao procedimento especial dos artigos 70 ao 72, ambos da Lei de Falência.
A ideia do legislador foi simplificar o procedimento especial e deixá-lo menos oneroso, mas, na prática, não é bem isso que acontece. Igualmente, o Código Civil no seu artigo 970 também favorece a microempresa e a empresa de pequeno porte, vejamos: “A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.
Filipe Denki Belém Pachecó (2023, p.253), esclarece que a Lei Complementar 123/2006, no seu artigo 3º, incisos I e II, demonstra o conceito de microempresa e empresa de pequeno porte, as quais nascem do significado de empresário apresentado pelo artigo 966, do Código Civil.
Apesar da Lei de Recuperação Judicial e Falência visar ao soerguimento da empresa em crise, a ação é bastante onerosa e complexa para as microempresas e empresas de pequeno porte, mesmo sendo a grande maioria das sociedades no contexto empresarial brasileiro (COSTA, 2021, p.199).
Não é diferente o entendimento de Sacramone (2023, p. 373), devido à profundidade da matéria específica em um processo de recuperação judicial, a Lei de Recuperação e Falência possibilitou que as microempresas e empresas de pequeno porte possam aderir a um procedimento mais simplificado e menos oneroso de recuperação judicial. Podendo, também, requerer o pedido de recuperação judicial pelo procedimento ordinário, diante das limitações existentes no procedimento especial.
Além disso, por mais que a legislação específica “beneficie” as microempresas e empresas de pequeno porte com apresentação dos livros e escrituração contábil simplificados, é importante observar que elas terão que preencher os requisitos do artigo 51, II da Lei nº 11.101/2005, para propor o pedido de recuperação judicial, o que acarreta um custo para as empresas que, normalmente, não têm o setor próprio de contabilidade para gerar os devidos relatórios indispensáveis para propositura da ação.
Sacramone (2021, p. 7) expõe: outra possível explicação, mais plausível, reside na existência de um viés de seleção das sociedades que requerem recuperação em favor de empresas de maior porte. A suspeita é de que, mesmo entrando em crise, as micro e pequenas empresas não fariam uso da recuperação judicial por conta do custo do processo, tanto em relação às despesas diretas com custas, advogados, assessores e administrador judicial, como pelo custo reputacional, é possível dificuldade de acesso a crédito.
O intuito da Lei de Falências é a preservação da empresa através da sua função social, manutenção de empregos, pagamentos de tributos e geração de riqueza, conforme artigo 47 da Lei 11.101/2005, porém no que concerne às microempresas e empresas de pequeno porte, na realidade, fica a desejar.
Marcelo Sacramone (2021, p.6 a 8), segundo os dados do Observatório de Insolvência/Nepi da PUC-SP e da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), no período de janeiro de 2010 e julho de 2017, foram coletados 1.194 processos distribuídas na Comarca do Estado de São Paulo, através do preenchimento de questionários no período de quatro meses, no período compreendido entre fevereiro a junho de 2018. Logo após, os processos com planos aprovados foram analisados novamente entre outubro e dezembro de 2019.
O resultado foi que do total de 1.194 processos, 145, (12,4%) recuperações judiciais foram pleiteadas apenas por microempresas, 148 (12,4%), recuperações judiciais foram requeridas somente por empresas de pequeno porte, 270 (22,6%) por grupos societários, ainda que envolvessem EPP e ME, e 629 (52%,7) unicamente por sociedades isoladas não classificadas como EPP e ME. Ao final aduz que também foram encontrados dois casos envolvendo produtores rurais, mas por não terem formado uma empresa, por isso não foram classificados em nenhuma categoria.
Afirma também que só sete EPP ou ME adotaram o procedimento especial e tiveram o plano de recuperação aprovado, concluindo que a adesão é praticamente nula. Aduz que há ampla preferência das EPP e ME ao procedimento comum, expondo a “culpa” as limitações ao procedimento especial.
Atualmente, observa-se que não se tem dados suficientes no Brasil que possam atestar a fiel adesão ao procedimento especial da Seção V da Lei de Recuperação Judicial e Falências. A finalidade é se esse “benefício” legal está realmente atingindo o fim a que se destina, ou seja, se está atendendo às expectativas da categoria e se de fato a sua função social é aquela pretendida pelo legislador, pois é um dos principais problemas enfrentados.
Pontes de Miranda, (1892-1979, p. 305), tratou sobre o pequeno empresário em sua obra, sendo que à época não se tinha qualquer distinção entre as empresas de grande e pequeno porte, estando sujeitas às mesmas condições. anuel Justino também faz considerações sobre a matéria antes da legislação atual, quais sejam:
O sistema de recuperação instituído para a pequena empresa aproxima-se bastante da forma estabelecida para concordata preventiva, prevista no art. 139 e ss. da lei antiga. No entanto, houve alteração significativa pela LC 147/2014, aproximando mais este tipo de recuperação judicial comum, no que tange aos credores a ela submetidos. Assim é que a redação original da Lei 11.101/2005, obrigava exclusivamente os credores quirografários (art. 147 do Dec. – lei de 1945; enquanto a LC 147/2014 determina que serão abrangidos todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasses de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art.49, aproximando o art. 71 do que dispõe o art. 49.
Percebe-se que a deficiência do sistema é um problema antigo que vem ganhando novas roupagens. A doutrina atual não é diferente, entende Filipe Denki Belém Pachecó (2023, p.258) que um dos pontos que tornam ineficiente o plano especial para microempresas e empresas de pequeno porte é a formatação de pagamentos imposta pela lei, que é em até 36 meses, parcelas iguais, mensais e sucessivas, o que não ocorre para aqueles que optarem em aderir ao procedimento do plano de recuperação ordinário, cujo prazo poderá ser superior a 180 meses.
Francisco Satiro (2007, p. 326) menciona também que a necessidade de autorização judicial para contratar empregados e aumentar os gastos desanima, pois limita o progresso dos negócios da empresa devedora, podendo prejudicar o seu desempenho econômico, conforme artigo 71, IV da Lei nº 11.101/2005.
Cassio Cavalli argumenta que não há diferenças consideráveis que tornem o procedimento especial menos oneroso e mais simples que o ordinário. Registra que existem só duas diferenças entre os dois planos, quais sejam: desnecessidade de convocação de assembleia geral de credores e as limitações que podem ser feitas no plano especial.
No que tange ao artigo 71, IV, referente a autorização judicial para contratar empregados, aumento de despesas, Daniel Carnio parafraseia os doutrinadores, João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea (apud COSTA, p.202) também aduzem: por outro lado, essa previsão, se interpretada de forma literal, pode acabar por engessar a atividade do devedor e dificultar a sua recuperação, na medida em que, apesar da dinamicidade do mercado e da rapidez com as decisões precisam ser tomadas, a máquina judiciária não possui a velocidade necessária para acompanhar o timing demandado nas negociações mercantis, não sendo razoável prever que cada decisão comercial do devedor deva ser submetida à aprovação do juízo (SCALZILLI; SPINELLI; TELLECHEA, 2018, p.508).
Como demonstrado, o plano especial da recuperação judicial destinado às microempresas e empresas de pequeno porte não tem eficácia, pois a recuperação judicial ordinária traz mais benefícios, por outro lado esta é complexa, onerosa e demorada.
Além disso, colaborando com a tese da ineficiência do procedimento especial para as microempresas e empresas de pequeno porte, está em tramitação a PL 33/2020, visando promover, mais uma vez, mudanças no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte para criar o Marco Legal do Reempreendedorismo, pretendendo tornar uma opção mais acessível, ágil e funcional. Isso inclui a implementação de procedimentos mais céleres e menos onerosos para credores, devedores e o Estado, incluindo renegociação especial extrajudicial e judicial, liquidação especial sumária e adequações na falência. Prevendo também alteração à Lei Complementar 123/2006.
As principais fraquezas enfrentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte são:
a) as empresas normalmente são constituídas por pessoas da mesma família, onde não têm conhecimento técnico para gerir o negócio, dificultando sua performance;
b) confusão patrimonial entre a pessoa física e jurídica;
c) falta de ativos para negociar com instituições financeiras;
d) sem planejamento estratégico;
e) falta de fluxo de caixa na empresa;
f) falta de dados sobre a viabilidade e a situação financeira do devedor, o que é algo que pode minar a confiança dos credores, pois, por muitas vezes, a empresa não tem a contabilidade organizada.
Portanto, verifica-se, que antes mesmo de requerer a recuperação judicial, as microempresas e empresas de pequeno porte já enfrentam problemas, que é a falta de efetividade da legislação. Consequentemente a crise para essas empresas é mais previsível.
Por isso, uma melhor aplicabilidade ao princípio da preservação das empresas, redução dos custos do processo e ampliação dos meios de recuperação, como também, a intervenção do governo, é fundamental para garantir um tratamento diferenciado para essas empresas.
Por fim, algumas hipóteses podem ser levantadas para o aperfeiçoamento jurídico, social e econômico das microempresas e empresas de pequeno porte, como: criação de varas especializadas, analisando de forma mais acurada caso a caso; inclusão de todos os credores no quadro geral, permitindo a simplificação e um tratamento igualitário e harmônico para todos os participantes do processo; flexibilização da lei para que o empresário possa conduzir sua atividade empresarial, sem autorização judicial para aumento de despesas ou contratação de empregados, incentivo governamental e mudanças legislativas.
Fonte: Conjur