A teoria da actio nata nas ações de responsabilidade e o direito falimentar
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4 de novembro de 2024Com o objetivo de afastar eventuais injustiças, assim como almejando precipuamente a manutenção das cláusulas contratuais, foi concebida a alcunhada “teoria do adimplemento substancial”.
De modo conciso, tal orientação jurídica defende que, quando a inadimplência do contrato for irrisória, não há, em tese, motivação idônea para sobrevir a extinção do pacto.
Tal origem é oriunda do direito inglês, quando as Cortes de Equity, a partir do século 18, desenvolveram o instituto da “substancial performance” para superar os exageros do formalismo exacerbado na execução dos contratos em geral (BECKER, Anelise. A doutrina do adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, volume 9, nº 1, nov. 1993, p. 60-77).
No ponto, é importante frisar que não se trata, por óbvio, de banalização do descumprimento da avença, o que é inadmissível, mas, sim, da conservação do ajuste firmado entre as partes.
Sob determinado enfoque, pode-se dizer que a vertente visa a proteger o famigerado brocardo pacta sunt servanda; expressão que, em tradução, diz “os pactos devem ser respeitados”, conhecido, também, como o “princípio da obrigatoriedade” ou “força obrigatória dos contratos”.
Arnaldo Rizzardo sintetiza, com maestria, o assunto: “É irredutível o acordo de vontades, portanto, os contratos devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve ser obedecida” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005).
Assim sendo, percebe-se que a aplicação da refalada teoria nada mais é que uma homenagem à boa-fé e à função social do contrato, preceitos amplamente difundidos nos leques normativos.
Sobre a temática, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald discorrem: “Aqui é possível impedir o exercício do direito potestativo de resolução por parte do credor em face de um mínimo descumprindo da obrigação. O desfazimento do contrato acarretaria sacrifício desproporcional comparativamente à sua manutenção, sendo coerente que o credor procure a tutela adequada à percepção das prestações inadimplidas” (Curso de direito civil: contratos. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 541).
Em continuidade, valendo-se dos ensinamentos de Araken De Assis, os doutrinadores sobreditos refletem: “[…] o juiz apreciará a existência do inadimplemento e sua gravidade, sendo natural que em alguns casos repute o descumprimento minimamente gravoso e pouco prejudicial ao projeto de benefícios recíprocos previstos no contrato. Destarte, em tais situações de lesão ao princípio da boa-fé objetiva, é possível se atender ao pedido subsidiário de cumprimento, evitando o sacrifício excessivo do devedor em face do pequeno vulto do débito” (Curso de direito civil: contratos. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2014. p. 542).
Avista-se, então, que o escopo da teoria é — justamente — garantir aos devedores a possibilidade de saldar os débitos quando já adimpliram a maior parte do valor contratado, afastando as medidas mais gravosas.
Isto posto, diante da natureza e da intenção da teoria em comento, é evidente que a aplicabilidade de tal direcionamento é profusamente empregado no âmbito imobiliário.
Não raramente o indivíduo que adquiriu certo imóvel não consegue arcar com o pagamento acordado, contexto que a prima facie desaguaria no desfazimento do negócio.
No entanto, hodiernamente a aniquilação do instrumento exige cautela, porquanto pode ser aplicada a teoria ora estudada caso o valor já pago pelo adquirente seja significativamente superior à monta inadimplida.
Esse é o entendimento jurisprudencial:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO. CUMPRIMENTO PARCIAL DO ACORDO. PAGAMENTO EXTEMPORÂNEO. INADIMPLEMENTO. RELEVÂNCIA. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. CLÁUSULA PENAL. REDUÇÃO PROPORCIONAL NECESSÁRIA. OBRIGATORIEDADE. ART. 413 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DECISÃO MANTIDA. 1. A análise de suposta violação de dispositivos constitucionais é vedada em sede especial, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. É possível a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial nas relações de direito privado, notadamente se “constatado o cumprimento expressivo do contrato, em função da boa-fé objetiva e da função social, mostra-se coerente a preservação do pacto celebrado” (AgInt no REsp n. 1.691.860/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/10/2019, DJe de 22/10/2019). 3. A norma do art. 413 do Código Civil impõe ao juiz determinar a redução proporcional da cláusula penal na hipótese de cumprimento parcial da obrigação. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no AREsp: 2279914 RN 2023/0011038-0, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 14/08/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2023)
APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL (LOTE). TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL SUSCITADA EM CONTESTAÇÃO E ACOLHIDA. IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO INICIAL. RECURSO DA CREDORA. ARGUIDA INAPLICABILIDADE DA REFERIDA TEORIA AO CASO CONCRETO. INSUBSISTÊNCIA. PAGAMENTOS REALIZADOS QUE, CONSIDERADO O VALOR DO CONTRATO DEVIDAMENTE CORRIGIDO, ALCANÇAM APROXIMADAMENTE 80% DO MONTANTE DEVIDO. BUSCA PELOS DEVEDORES DE REGULARIZAR A SITUAÇÃO MEDIANTE RENEGOCIAÇÕES FORMAIS, AS QUAIS FORAM PAGAS PARCIALMENTE, MAS CUJO INADIMPLEMENTO NÃO DEMONSTRA DESÍDIA OU DOLO (INTUITO PROTELATÓRIO). EDIFICAÇÃO DE RESIDÊNCIA NO LOCAL QUE, NO CASO CONCRETO, TORNA IRRAZOÁVEL O DESFAZIMENTO DO AJUSTE. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DO SALDO DEVEDOR EM AÇÃO PRÓPRIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SC – Apelação Cível: 0018994-36.2011.8.24.0038, Relator: André Luiz Dacol, Data de Julgamento: 17/07/2018, Sexta Câmara de Direito Civil)
RESCISÃO DE CONTRATO C.C. REINTEGRAÇÃO DE POSSE – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL – Autora que insiste na rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel, com a restituição das partes ao status quo ante – Descabimento – Compromissário comprador que efetuou o pagamento de aproximados 75,94% do preço do imóvel – Imperiosa a aplicação da teoria do adimplemento substancial, que visa a preservação do negócio jurídico, sem prejuízo da cobrança por outros meios – Impossibilidade de rescisão do contrato – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP – AC: 10018837820198260428 SP 1001883-78.2019.8.26.0428, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento: 30/10/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/10/2020)
Todavia, imperioso pontuar que, em conformidade com o Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da teoria exige o preenchimento dos seguintes requisitos: “a) existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários” (REsp 1581505/SC, rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016, DJe 28/09/2016).
Decerto, o ordenamento jurídico aspira trazer equilíbrio à relação contratual, com o fito de não lesar a parte adquirente e, ao mesmo tempo, garantir que o vendedor/credor possa requerer a competente indenização do prejuízo que lhe acometeu por outro meio, seja ele judicial ou extrajudicial, principalmente por meio de execução de título extrajudicial ou ação de cobrança.
Concluiu-se, por conseguinte, que o adimplemento substancial, “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé” (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português inEstudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980, p. 56).
Ao permitir que a parte adimplente mantenha a expectativa legítima de ver cumprido o contrato, esta teoria contribui para a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais, mitigando o rigor das sanções contratuais em face de circunstâncias que não alteram de forma substancial o equilíbrio da obrigação.
Portanto, a teoria do adimplemento substancial se revela como um instrumento de suma relevância, propiciando uma solução equânime para as relações contratuais que, embora marcadas por descumprimentos parciais, não comprometem a essência do negócio celebrado.
Fonte: Conjur