Pedidos de esclarecimentos vinculam a administração?
30 de agosto de 2024Alterações legais sobre correção monetária e juros nos ativos judiciais
30 de agosto de 2024Temos visto no noticiário algumas reportagens que, ao cuidar da reforma tributária constitucional sobre o consumo (EC 132/23) e sua regulamentação pelo PLP 68/2024, têm eleito a carne na cesta básica como a grande vilã de uma possível alíquota – 28% –, que será a maior do mundo!
Esse discurso adotado para encontrar justificativas para uma tributação sobre o consumo altamente onerosa, atribuindo, em boa parte, à inclusão das carnes na cesta básica, retrata uma grande injustiça e equívoco.
Não se exige muito esforço intelectual para saber que, infelizmente, nosso país não é exemplo de gestão eficiente e ética dos recursos públicos, que advêm na maior parte dos tributos. Com isso, infelizmente, torcendo para que um dia isso ainda mude, verdadeiramente, somente esse fato nos revela a razão de termos tamanha carga tributária sobre o consumo, sem levar em consideração outros tributos da esfera federal, estadual e municipal. E, no momento, parece que a voracidade fiscal em face do cidadão não tem limites e, por conseguinte, não tem fim.
Esse, porém, não é o ponto relevante que nos leva a contestar aqueles que, equivocadamente, sustentam a exclusão das carnes da cesta básica, entre outros produtos.
Somente para lembrar e contextualizar, o artigo 8º do ADCT, da Emenda Constitucional nº 132/2023, preceitua que:
“Art. 8º Fica criada a Cesta Básica Nacional de Alimentos, que considerará a diversidade regional e cultural da alimentação do País e garantirá a alimentação saudável e nutricionalmente adequada, em observância ao direito social à alimentação previsto no art. 6º da Constituição Federal.
Parágrafo único. Lei complementar definirá os produtos destinados à alimentação humana que comporão a Cesta Básica Nacional de Alimentos, sobre os quais as alíquotas dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, da Constituição Federal serão reduzidas a zero”.
Houve, portanto, a criação da Cesta Básica Nacional, cabendo a lei complementar definir os produtos que serão tributados à alíquota zero de IBS e CBS.
Neste sentido, tivemos a aprovação, na Câmara dos Deputados, do PLP 68, o qual estabelece no artigo 120:
“Art. 120. Ficam reduzidas a zero as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre as vendas de produtos destinados à alimentação humana relacionados no Anexo I desta Lei Complementar, com a especificação das respectivas classificações da NCM/SH, que compõem a Cesta Básica Nacional de Alimentos, criada nos termos do art. 8º da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.”
O Anexo I, por sua vez, traz nos itens 19 e 20, a proteína animal – carnes: (1) – Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foies gras) dos seguintes códigos, subposições e posições da NCM/SH: a) 02.01, 02.02, 0206.10.00, 0206.2 e 0210.20.00; b) 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 0209.10 e 0210.1; c) 02.04 e 0210.99.20, carne caprina classificada no código 0210.99 e miudezas comestíveis de ovinos e caprinos classificadas nos códigos 0206.80.00 e 0206.90.00; d) 02.07, 0209.90.00 e 0210.99.1, exceto os produtos dos códigos 0207.43.00 e 0207.53.00; (ii) – Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos) dos seguintes códigos, subposições e posições da NCM/SH: a) 03.02; exceto os produtos dos códigos 0302.1, 0302.3, 0302.51.00, 0302.52.00, 0302.53.00 e 0302.9 da NCM/SH; b) 03.03; exceto os produtos dos códigos 0303.1, 0303.4, 0303.63.00, 0303.64.00, 0303.65.00 e 0303.9 da NCM/SH; c) 03.04; exceto os produtos dos códigos 0304.41.00, 0304.42.00, 0304.52.00, 0304.71.00, 0304.72.00, 0304.73.00, 0304.81.00, 0304.82.00 e 0304.87.00 da NCM/SH.
De antemão, como já é de conhecimento, a tributação favorecida e diferenciada, especialmente, aos alimentos, tem completo respaldo na Constituição, uma vez que entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º), está a dignidade da pessoa humana, que impõe ao poder público ações e omissões que tenham por finalidade, exatamente, garantir o chamado mínimo existencial.
Esse direito à dignidade e do mínimo existencial, entrelaçado com o direito fundamental à vida (artigo 5º, CF), na prática, revela a necessidade de garantir a todos os seres humanos o acesso ao alimento, pois se trata de condição imprescindível à conservação da vida e da dignidade deste. Mais do que isso, a Constituição brasileira foi ainda mais enfática, pois estabelece que a alimentação é um direito social (artigo 6º), dando relevo à obrigatoriedade de o Estado promover políticas públicas e, portanto, ações positivas, que deem acesso real e verdadeiro aos brasileiros aos alimentos [1].
Como a produção de alimentos envolve diversos custos, naturalmente, se houver tributo incidente sobre a cadeia produtiva e, principalmente, no fornecimento e acesso à população, ele ficará, naturalmente, mais caro e menos acessível.
Bem por isso, há de se promover legislações fiscais com tributação reduzida para a produção de alimentos, como medida de, em cumprimento o artigo 187, I e do direito social à alimentação, dar acesso a todos.
Daí a razão justa e razoável de se estabelecer uma cesta básica, garantindo que o Estado não irá exigir tributo, de forma desmedida, sobretudo, desses alimentos, que configuram produtos essenciais à sobrevivência do ser humano [2].
Lembramos, ademais, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a exoneração tributária dos alimentos incluídos na cesta básica não se trata de benefício fiscal, mas concretização de direitos fundamentais, em especial, à alimentação [3].
Seguindo essas ponderações, não resta dúvida de que existem justificativas jurídicas do mais alto quilate – Constituição e direitos fundamentais – para se adotar a alíquota zero para IBS e CBS quanto aos produtos da cesta básica, entre eles, a proteína animal (carnes) [4]. Inclusive, não olvidemos que, atualmente, a tributação sobre o consumo – ICMS/IPI/PIS/Cofins – exonera em grande medida a carne, de tal sorte que qualquer regime novo que aumentar essa carga fiscal e, por conseguinte, restringir os direitos fundamentais por detrás esta medida, certamente poderão ser tidos como inconstitucionais, dada a vedação ao retrocesso social [5].
Embora as justificativas acima sejam suficientes para reconhecer a legitimidade de incluir as carnes na cesta básica, é importante reconhecer que, além de seu valor altamente nutricional, podendo até mesmo ser indispensável para uma alimentação adequada e sem radicalismos ideológicos, trata-se de um alimento da preferência dos brasileiros em todo o território nacional.
Dizer, além do mais, que a inclusão das carnes na cesta básica é medida que favorece a classe dos “ricos” chega beirar o absurdo. Isto porque 90% dos brasileiros ganham menos de R$ 3.500 [6], sendo que seriam considerados “ricos” aqueles que ganham acima de R$ 10.313 e representam 5% (cinco por cento) da população, cabendo a 1% a renda mensal acima de R$ 28.659 [7].
Diante destes dados, quem afirma que a redução do custo de aquisição, mediante alíquota zero, para os produtos da cesta básica, em especial, as carnes, é para privilegiar os mais ricos, realmente, não conhece a realidade brasileira. Com a renda acima descrita, o acesso mais barato, diante da redução da carga fiscal do IBS/CBS, garante, de verdade, a possibilidade de os brasileiros consumirem com dignidade mais produtos alimentícios, em especial, as carnes, pois, 12% ou 28% de tributo sobre estas aquisições farão muita diferença no orçamento mensal. Ou deixarão de consumir, ou farão em menor proporção, o que nos parece injusto e desumano.
Pela realidade da renda do brasileiro, fica evidente que a redução da tributação dos produtos da cesta básica, tal como a carne, não é medida a beneficiar os verdadeiramente ricos, pois um custo maior na aquisição dessa ínfima parcela da população em nada impediria o acesso a tais alimentos, ao contrário do que ocorreria com a quase toda a população brasileira, diante da sua renda.
A medida, ademais, torna-se ainda mais injusta e desigual, ao pensarmos que, se a carne não estiver na cesta básica, sofrendo tributação de IBS e CBS, a população brasileira – amplamente carente – pagará um valor maior do que aqueles que residem em outros países, já que nosso produto será exportado sem tributação – imunidade.
Para não deixar de mencionar também neste ponto, que alguns sustentam que a carne não deveria estar na cesta básica, com alíquota zero de IBS/CBS, pois, seria medida a privilegiar os mais ricos – o que sabemos não ser verdade –, sendo mais eficiente optar pelo cashback.
Ora, sabemos que o Estado não tem a mínima intenção e condição, até mesmo técnica, para devolver a, no mínimo, 90% da população brasileira o tributo IBS e CBS pagos na aquisição de produtos essenciais alimentícios, entre eles, as carnes. Conceder, como se pretende, de forma completamente restritiva, parte dos tributos, para uma camada mínima da população brasileira, não nos parece medida adequada para nossa realidade, sendo muito mais eficiente que o Fisco não cobre o tributo do cidadão brasileiro, não precisando assim ter que fazer o esforço – que custará – de devolver aquilo que, de antemão, não já deveria cobrar.
Seria um grave erro excluir as carnes da cesta básica, pois, juntamente com tais fatores apresentados, acreditamos que a cobrança de tributos poderá, ainda, levar o setor à sonegação e informalidade, em prejuízo do próprio Estado e população consumidora, já que os produtos ficarão à margem dos adequados controles sanitários.
Isso tudo nos faz reforçar a posição daqueles que reconhecem a necessidade da exoneração fiscal dos produtos essenciais, entre eles, as carnes, por meio da cesta básica, no IBS e CSB, como forma de garantir – ou ao menos buscar – o acesso aos alimentos, concretizando este direito fundamental social, que releva um mínimo de dignidade a todo ser humano, especialmente, nosso povo brasileiro.
Fonte: Conjur