É incontroverso que, nos últimos tempos, a recuperação judicial e a falência se encontram no centro dos debates. Os projetos legislativos, as notícias nos jornais, os congressos e encontros de acadêmicos e profissionais da área são quase diários.
Em nosso entender, a razão desse súbito interesse pela matéria é resultante do aumento substancial do número de pedidos de recuperação judicial e falência, dos expressivos valores de endividamento, além de envolverem muitas vezes empresas tradicionais ou de grande relevância para o mercado ou público em geral.
Todavia, em momentos de crise, é importante refletir e debater, de modo sério, as razões da eventual ineficiência do sistema e a propalada baixa taxa de recuperação de crédito, sem buscar um único culpado.
É inegável que devemos buscar cada vez mais um processo mais efetivo e célere. No entanto, embora isso tenha o condão de minimizar o problema, não ataca, a nosso ver, as suas causas. Não serão fórmulas mágicas e estrangeirismos exacerbados que trarão a melhoria do sistema. Eficiência não pode significar sacrifício ao devido processo legal.
Diuturnamente, nos deparamos com a afirmação de que na falência o percentual de recebimento é muito baixo, razão pela qual os credores acabam aceitando carências exageradas, alongamento de dívidas e elevados deságios na recuperação judicial. Melhor receber pouco do que nada.
A partir daí afirma-se que o sistema de insolvência não funciona. Critica-se o trio comum a infinita maioria dos planos (carência, prazo e deságio) esquecendo que as pequenas e médias empresas não tem acesso, nem condições de oferecer outra solução para seus problemas.
No entanto, o mesmo fenômeno atinge, quiçá com diagnóstico mais desanimador, as execuções individuais. O Código de Processo Civil é recente, foram introduzidas profundas alterações no sistema, não há dúvida que se tornou mais eficiente, mas a taxa de recuperação continua baixa.
Paralelamente, cada vez mais se investe em tecnologia para localização de bens, sendo a lista de meios a disposição dos operadores do direito cada vez mais extensa. Todavia, estamos longe de um sistema ideal. A culpa evidentemente não pode ser imputada a legislação (redigida por excepcionais processualistas) e ao Poder Judiciário, cuja atuação não guarda nenhuma relação com a absoluta falta de bens penhoráveis.
Pode-se argumentar que houve uma redução do número de execuções, fato verdadeiro. No entanto essa redução se deu, em grande parte, não pela satisfação do crédito, mas simplesmente em razão dos programas de extinção de execuções de baixo valor ou impossível recebimento.
O número de execuções foi reduzido (o que naturalmente é bom pois permite que o Judiciário possa se dedicar a questões mais relevantes) não pela extinção pelo pagamento, mas pela falta de interesse dos credores nelas prosseguir.
A legislação de falência e recuperação judicial foi alterada recentemente e os frutos das mudanças paulatinamente estão sendo colhidos.
A recuperação extrajudicial que era quase uma ficção em 2005, hoje é uma realidade com estrutura cada vez mais sofisticada de financiamento e venda de ativos de forma eficiente buscando garantir os operadores desse mercado de forma a tornar ágil e seguro o modelo.
A mediação, que somente ganhou corpo a partir da reforma de 2020, cuja regulamentação trouxe segurança ao mercado e, mais do que isso, foi acertadamente incentivada. Evidente que a sua adoção para o regime de insolvência demanda uma mudança de mentalidade e a superação do dogma da absoluta indisponibilidade de direitos em especial na falência. Como se trata de um mecanismo voluntário é normal que alguns magistrados sejam mais, outros menos entusiastas do modelo.
Todavia, constitui prova do sucesso a criação em pouco tempo de Câmaras de Mediação Especializadas em Processos de Insolvência, e, como é absolutamente natural, as pioneiras e que souberam se estruturar alcançaram prestígio nacional, razão de serem infinitamente mais indicadas que aqueles que foram criadas depois e sejam menores, sem que haja nessas nomeações qualquer tipo de desvio moral, mesmo porque, como destacado acima, a participação ou não no procedimento e a efetiva escolha do mediador compete as partes.
É inegável que as mediações evoluíram, não se limitando a simples acertos de créditos, mas se tornaram catalizadoras da construção de planos de recuperação judicial com efetiva participação dos credores e viabilizadoras de recuperações judiciais e extrajudiciais mais céleres.
De igual modo, os mecanismos de aceleração de venda de ativos também tornam a falência mais rápida.
Isso significa que nossa legislação, apesar de recentemente alterada é arcaica? Não nos parece. Evidente que a mesma pode ser aprimorada, mas isso não significa que tenha o condão de tornar a noite em dia. Temos uma tendência a acreditar na falsa ilusão de que simples reformas legislativas são capazes de resolver todos os problemas, o que não é verdade.
Se o problema não está na legislação, os ataques se voltam contra o Poder Judiciário e não poucas vezes personalizam-se nos juízes e demais auxiliares da justiça.
No entanto, é inegável que, com a especialização das varas, o processo tornou-se mais célere e assumiram essa função magistrados vocacionados e que tem procurado se aprimorar cada vez mais.
Prova disso é o crescente número de juízes que ingressam em cursos de pós graduação e de inúmeras atividades acadêmicas no sentido mais puro da expressão com o objetivo do aprimoramento. Isso também é válido para as Câmaras Especializadas em segundo grau cujo curriculum e histórico na Magistratura e na Academia de seus componentes fala por si.
No mesmo sentido os auxiliares da justiça se aprimoram e se estruturam para conseguir imprimir celeridade e eficiência ao processo.
Existem pontos falhos, no entanto, as reformas legislativas propostas não conseguirão solucionar todo o problema, conforme inúmeros doutrinadores já se manifestaram. Evidente que existem pontos a serem melhorados, mas não está aí o cerne na ineficiência.
Apesar disso, podemos ainda afirmar que o índice de recuperação de crédito está longe do ideal.
Portanto, se o problema não está na legislação, nem nos operadores de direito, temos que identificá-lo de modo isento e imparcial e não adotar a cômoda ladainha de que a culpa está no Estado.
Com efeito, uma empresa, normalmente, não entra em crise de repente. Na verdade, de forma discreta, os sinais são apresentados ao mercado com muita antecedência. Atraso no pagamento dos tributos, nas contribuições sociais referentes aos empregados (valores retidos e não pagos) e ampliação substancial do número de agentes que lhe dá crédito em quantias menores, não concentrando suas atividades financeiras em uma única instituição.
Mesmo sem qualquer sinal de superação da crise, algumas empresas continuam tomando crédito, com juros cada vez mais elevados em setores secundários do mercado (não para incremento de sua atividade, mas para pagar aquele que anteriormente havia lhe dado crédito). Não raramente, os financiadores estão mais preocupados com a taxa de juros e o histórico de adimplemento consigo, do que efetivamente com a solidez das garantias e reais condições de pagamento.
Os contratos aceitam tudo, costumo dizer, e surgem garantias as mais estranhas possíveis como se o simples fato de estar numa cláusula resolva todos os problemas. Recentemente tive a oportunidade de ler em um contrato que a empresa em crise dava em garantia fiduciária 130% do seu faturamento bruto a uma determinada instituição.
A partir desse quadro, quando muitas vezes (não em todas, esclareça-se) a empresa deixa de honrar seus compromissos e os credores passam a tomar as medidas judiciais (“estupefatos” com a conduta da devedora e “incrédulos” com os “balanços” outrora apresentados), acusam o Judiciário e o processo judicial de serem ineficientes, quando na verdade a situação concreta em juízo apresentada é de inadimplemento substancial e quase sempre irreversível.
Ou seja, diante de uma crônica de morte anunciada, o mercado muitas vezes continua a injetar capital de alto risco e quando surge o inevitável inadimplemento a culpa é do processo e da legislação.
Aliás, a prova disso é que na reforma legislativa falimentar recente foram criados mecanismos para extinguir rapidamente as falências negativas e o número de casos em que isso ocorre chama a atenção. Ou seja, foi dado crédito a empresas cujos ativos não são suficientes nem para arcar com os custos do processo, o que se dirá de pagar os credores.
A legislação de superendividamento que recentemente entrou em vigor, mas voltada ao consumidor, em certa medida joga luz sobre esse problema.
Ou seja, antes de apontar a ineficiência do processo e dos seus sujeitos, é necessária uma reflexão a respeito das causas do inadimplemento.
Fonte: Conjur