A litigância predatória refere-se ao uso estratégico e manipulador do litígio para obter vantagens que não seriam possíveis por meios legítimos. Esse comportamento é caracterizado pela multiplicação de processos sem fundamento razoável, apresentação de recursos infundados para atrasar decisões judiciais e uso de ações judiciais para intimidação ou retaliação contra adversários.
Essas práticas violam princípios éticos e legais, comprometendo a integridade do sistema judicial e a confiança pública.
Não se trata apenas de um volume excessivo de processos, mas de uma intenção de abusar do sistema judicial, observada quando advogados apresentam uma múltiplos de processos idênticos ou muito similares, sem uma base factual sólida, apenas para sobrecarregar o sistema e obter vantagens processuais indevidas, desvirtuando a justiça e transformando o Judiciário em um palco para táticas de desgaste, em vez de um fórum para a resolução justa de disputas.
As motivações por trás da litigância predatória são variadas e podem incluir fatores econômicos, pessoais e competitivos. Economicamente, busca-se vantagens financeiras por meio de acordos extrajudiciais ou indenizações injustificadas. Pessoalmente, pode haver retaliação contra indivíduos ou organizações, enquanto motivações competitivas visam prejudicar concorrentes no mercado.
A complexidade e lentidão do sistema judicial, bem como a percepção de impunidade, também incentivam esse comportamento. A busca desenfreada por ganhos financeiros ilícitos é uma das principais motivações, com advogados inescrupulosos vendo no Judiciário uma oportunidade de lucro fácil, utilizando-se de ações infundadas para pressionar acordos vantajosos ou obter sentenças favoráveis através de manipulações processuais.
A vingança pessoal e a competição desleal no mercado também alimentam essa prática, prejudicando adversários e causando-lhes prejuízos financeiros e desgaste moral. A morosidade da justiça e a percepção de que os abusos processuais raramente são punidos de forma eficaz contribuem para a proliferação dessa prática.
Os efeitos da litigância predatória são amplos e profundos, afetando diversos aspectos do sistema judicial e da sociedade. A multiplicação de processos infundados sobrecarrega os tribunais, retardando a resolução de casos legítimos e prejudicando a eficiência judicial. As partes envolvidas em litígios predatórios enfrentam custos significativos, incluindo honorários advocatícios, despesas processuais e perda de tempo, além de perpetuar desigualdades sociais e econômicas, já que pode ser usada por partes mais poderosas para intimidar ou esgotar os recursos de adversários mais fracos.
O congestionamento do Judiciário é uma consequência visível, com processos frívolos consumindo recursos valiosos e retardando a tramitação de ações legítimas, o que aumenta a insatisfação dos cidadãos com o sistema judicial e alimenta a proliferação de ações predatórias.
O Tema 1.198 dos recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça trata da cautela judicial diante de ações com suspeita de litigância predatória. A audiência pública sobre esse tema revelou a necessidade de equilibrar a repressão às práticas abusivas e a preservação do direito de acesso à Justiça, assegurando que medidas restritivas não impeçam o exercício legítimo da advocacia e a defesa de interesses coletivos. O Tema 1.198 busca estabelecer diretrizes para que os magistrados identifiquem e ajam contra ações predatórias sem comprometer os direitos fundamentais das partes envolvidas.
Durante o debate, surgiram preocupações sobre possíveis impactos negativos na advocacia legítima e a necessidade de proteger os direitos dos consumidores e das populações vulneráveis, que muitas vezes recorrem ao Judiciário em busca de justiça. A litigância predatória não é simples de combater, pois envolve distinguir entre uso legítimo e abusivo do sistema. Há o receio de que medidas rigorosas contra a litigância predatória possam ser mal interpretadas e aplicadas de forma indiscriminada, prejudicando advogados que atuam de boa-fé, enquanto se deve garantir que consumidores e grupos vulneráveis não sejam prejudicados por limitações ao acesso à justiça. Portanto, o desafio é desenvolver mecanismos eficazes para identificar e punir práticas predatórias sem comprometer o direito fundamental de todos os cidadãos.
Estudos e levantamentos dos tribunais identificam indicativos de demandas predatórias ou fraudulentas, como a quantidade expressiva de ações propostas por autores de outras comarcas, petições com o mesmo comprovante de residência para diferentes ações, petições sem documentos comprobatórios mínimos ou documentos não relacionados com a causa, e distribuição de ações idênticas. A identificação desses indícios é crucial para que os tribunais ajam prontamente na detecção e repressão das práticas predatórias, que não apenas desvirtuam a finalidade do Judiciário, mas também impõem um ônus significativo sobre os recursos públicos e privados.
Para mitigar os efeitos da litigância predatória, é necessário adotar várias medidas, como reformas legislativas, fortalecimento das instituições e promoção de métodos alternativos de resolução de conflitos. Implementar leis mais rigorosas contra a litigância de má-fé, incluindo sanções financeiras e processuais, é essencial. Além disso, a capacitação dos juízes e servidores judiciais para identificar e coibir práticas predatórias é fundamental. A promoção de mediação e arbitragem pode ajudar a reduzir a carga dos tribunais, permitindo que casos legítimos sejam tratados com a devida atenção e celeridade.
Multas para litigantes predatórios podem dissuadir práticas abusivas e compensar as partes prejudicadas. Tais sanções devem ser aplicadas de forma justa e proporcional, evitando penalizações indevidas de advogados que atuam de boa-fé, e reforçar o princípio de que a justiça deve reparar danos e punir comportamentos ilícitos.
A responsabilidade civil por advocacia predatória refere-se à responsabilização dos advogados que praticam atos abusivos ou antiéticos visando benefícios pessoais. Exemplos incluem a proposição de ações temerárias sem fundamento jurídico, conluio fraudulento para manipular o resultado de uma demanda, e má-fé processual. Provas da má-fé do advogado podem incluir documentos falsificados, comunicações eletrônicas reveladoras de intenções fraudulentas, depoimentos de testemunhas, atos processuais suspeitos e provas técnicas que confirmem comportamentos ilícitos.
Indícios de litigância predatória incluem petições genéricas, pedidos fracionados em diversas demandas, e uso inadequado de declarações de pobreza. Advogados frequentemente usam modelos padronizados e fragmentam pretensões para sobrecarregar o sistema judicial e aumentar as chances de decisões favoráveis. A captação de clientes por meio de técnicas automatizadas, como robôs para localizar procedimentos, expõe as partes a riscos significativos e viola normas éticas.
Ferramentas tecnológicas desenvolvidas pelos departamentos de tecnologia da informação dos tribunais são eficientes para identificar padrões suspeitos, como um número excessivo de consultas a processos e a subsequente distribuição de demandas relacionadas. Relatórios detalhados ajudam a revelar estratégias predatórias e a agir de forma rápida e eficaz.
Sites de reclamações de consumidores frequentemente revelam práticas predatórias, mostrando como advogados abordam clientes de forma invasiva. A captura de clientela por práticas predatórias compromete a dignidade da advocacia e deve ser censurada e fiscalizada para garantir a ética na profissão.
É necessário equilibrar a publicidade dos processos judiciais com a proteção dos dados pessoais. O acesso irrestrito pode ser abusado para captar clientes, exigindo medidas de anonimização e regulamentação para proteger a privacidade das partes envolvidas.
A litigância predatória representa uma ameaça significativa ao funcionamento justo do sistema judicial. Enfrentar esse desafio exige reformas estruturais, fortalecimento das instituições, capacitação profissional e promoção de métodos alternativos de resolução de conflitos. A colaboração de todos os atores do sistema judicial é essencial para preservar a integridade e a confiança na justiça.
Fonte: Conjur