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Carf é a última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal
A conclusão é da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O colegiado restringiu a hipótese de ataque judicial aos acórdãos favoráveis ao contribuinte do Carf, última instância de julgamento de questões tributárias na administração federal.
Na terça-feira (6/8) os ministros julgaram improcedente o pedido de anulação de um acórdão da 3ª Turma, pertencente à 4ª Câmara do Carf, que reconheceu a decadência de créditos tributários devidos à Fazenda Nacional pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
O caso foi alvo de ação popular ajuizada pelo auditor fiscal Luiz Cláudio de Lemos Tavares, sob a alegação de que o acórdão do Carf representa um ato lesivo ao patrimônio público por causar prejuízo ao erário, já que exime a FAAP de quitar os valores.
O resultado no STJ representa uma vitória relevante do contribuinte e do próprio Carf, uma vez que a Fazenda Nacional não ajuíza ações para contestar derrotas na seara administrativa — o mesmo não vale para as empresas brasileiras.
Apesar de ter composição paritária — suas turmas são divididas pela metade entre representantes da Receita e conselheiros indicados por entidades empresariais —, o Carf é um órgão da administração federal.
Por isso, o Fisco processar o Carf representaria um contrassenso: a União estaria litigando contra fato próprio. Segundo a jurisprudência do STJ, isso viola a boa-fé objetiva da administração pública federal para com os contribuintes.
A válvula de escape seria o uso da ação popular, que pode ser ajuizada por qualquer cidadão — até mesmo o auditor fiscal cuja autuação acabou derrubada pelo Carf. Para o STJ, esse uso é indevido e ilegal.
A votação foi unânime, conforme a posição da relatora, ministra Regina Helena Costa.
O caso que motivou o julgamento no Carf parte de ato cancelatório que afastou a imunidade da FAAP para pagamento de pagamento de contribuições sociais relacionada à Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação (Cebas).
A notificação fiscal lavrada em 2006 tratou de crédito tributário referente ao período entre janeiro de 1996 a dezembro de 1998. A FAAP levou o caso ao Carf para defender que a Fazenda havia perdido o direito de cobrar esses valores.
A decadência do crédito tributário foi reconhecida no órgão, já que a autuação foi feita mais de cinco anos após o fato gerador do tributo. Com a derrota administrativa, a Fazenda Nacional deu fim ao caso.
O auditor fiscal, no entanto, ajuizou a ação popular para postular que a decadência deve ser contada a partir do primeiro dia do exercício seguinte à data de expedição do ato formal de cancelamento da imunidade tributária.
Tanto a primeira instancia quanto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região deram razão ao autor da ação. No STJ, o tema não chegou a ser analisado, já que o caso foi barrado na questão do uso indevido da ação popular.
Relatora, a ministra Regina Helena Costa apontou que não é qualquer acórdão do Carf que autoriza o manejo da ação popular.
Em sua análise, o controle judicial das conclusões do órgão administrativo deve considerar o papel exercido na estrutura da administração pública federal: o da interpretação da lei tributária.
Assim, só seria possível afastar as conclusões do Carf quando elas se mostrarem ilegais, contrárias a precedentes judiciais já sedimentados ou quando apresentarem indícios de desvio ou abuso de poder.
Entender diferente tornaria o papel do Carf supérfluo, já que todas as decisões da União favoráveis aos contribuintes estariam sujeitas a revisão por uma instância distinta — a instância judicial — independentemente de sua legalidade.
O caso concreto indica que essa ameaça, novamente, é real. Segundo a relatora, o auditor fiscal autor da ação tem, apenas no STJ, mais de 200 recursos especiais e agravos interpostos nos autos de ações populares de sua autoria.
Na petição inicial do caso julgado ele próprio indica que estava ajuizando diversas ações “para combater a farra do Cebas” em razão de entendimentos favoráveis ao contribuinte exarados por órgãos como o Carf.
A ministra Regina Helena classificou o grau de litigiosidade como chocante por mostrar insubordinação do auditor a entendimentos jurídicos de órgão hierarquicamente superior — em tese, conduta que representa infração ao dever de lealdade à instituição que serve.
Não se discute que um auditor fiscal, enquanto cidadão, pode usar da ação popular. Admitir esse uso, de acordo com a relatora, subverteria a estrutura hierárquica da administração pública e permitiria ações como instrumento de vingança.
Para a ministra Regina Helena, isso abriria margem para uma avalanche de ações populares para invalidar posições de instância superior oposta a entendimento de servidores subordinados.
“Vejo, em muitas manifestações, não só judicialmente, mas também extrajudicialmente, uma insurgência, quase uma cruzada contra o papel do Carf. Ele é um órgão de composição paritária, mas é da União. E a própria União se manifesta, por vezes, como se ele fosse um aleijão (uma deficiência), como se fosse uma doença que devesse ser exterminada”, disse.
“Quando o Carf decide, é a administração pública federal decidindo em última instância que o contribuinte tem razão. O Carf não pode proferir decisões legítimas só quando forem favoráveis ao Fisco. Quando ele julga contra o Fisco, suas decisões são tão legítimas quanto”, continuou.
“A União não pode agir como se o Carf não fosse um órgão seu. É tão seu quanto os auditores, como a advocacia da União, quanto a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Mas parece que, por vezes, isso não se reconhece”, afirmou.
“Se não for assim, que se extinga o Carf. Se não se aceita que um órgão de composição paritária possa julgar favoravelmente ao contribuinte, então para que existe esse órgão? Que se faça a propositura legislativa para que se revogue lei que instituiu o Carf. Se ele existe, suas decisões precisam ser respeitadas”, concluiu.
A votação foi unânime. O ministro Paulo Sérgio Domingues acrescentou que causou estranheza o fato de a Fazenda Nacional vir ao STJ defender uma posição pela anulação da decisão do Carf. “Não consigo ver coerência nisso.”
Fonte: Conjur