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22 de julho de 2024Nos últimos anos, tem-se observado um interesse crescente por parte dos estados e municípios na recuperação de valores pagos a título de imposto de renda retido na fonte em contratações públicas. Essa preocupação é motivada pela necessidade de maximizar os recursos financeiros disponíveis para a gestão pública, especialmente em um cenário de restrições orçamentárias.
Segundo o artigo 153 da Constituição, o Imposto de Renda (IR) é um tributo de competência federal que incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza de pessoas físicas e jurídicas. Embora o IR seja um tributo federal, a Constituição, em seu artigo 158, I, e 159, I, da CF, estabelecem que pertencem aos estados e municípios o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.
Durante vários anos prevaleceu o entendimento da Secretaria Especial da Receita Federal, por intermédio da Solução de Consulta nº 166/2015 — Cosit, apresentava entendimento restritivo sobre a expressão rendimentos, constante nos artigos 157, I e 158, I da Constituição:
“…os Municípios podem incorporar diretamente ao seu patrimônio apenas o produto da retenção na fonte do Imposto de Renda incidente sobre rendimentos do trabalho que pagarem a seus servidores e empregados. Por outro lado, entende-se que deve ser recolhido à Secretaria da Receita Federal do Brasil o Imposto de Renda Retido na Fonte pelas Municipalidades, incidente sobre rendimentos pagos por estas a pessoas jurídicas, a exemplo do caso concreto narrado na presente consulta”.
Em 2018, a então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, no âmbito da Petição 7.001, determinou a suspensão nacional das decisões de mérito que envolvem a interpretação do artigo 158, inciso I, da Constituição, tanto em processos individuais quanto coletivos. Com a acolhida deste recurso, através do Tema de Repercussão Geral 1130, o STF fixou a seguinte tese:
“Pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos arts. 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.”
Com base neste entendimento, reconheceu-se a obrigação constitucional dos estados e municípios de promoverem a retenção de imposto de renda dos valores pagos, não somente aos seus servidores públicos, mas também, de valores pagos a pessoas físicas e jurídicas em razões de contratações públicas em geral.
Após a publicação do tema 1130, a Receita alterou a redação da Instrução Normativa RFB nº 1234, de 11 de janeiro de 2012, disciplinando o procedimento de retenção de tributos nos pagamentos efetuados pelos órgãos da administração pública a outras pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens e serviços. O artigo 3º da Instrução Normativa RFB nº 1234/2012, alterada pela IN/RFB nº 2145/2023, passou a ter a seguinte redação:
“Art. 3º A retenção será efetuada aplicando-se, sobre o valor a ser pago, o percentual constante da coluna 06 do Anexo I a esta Instrução Normativa, que corresponde à soma das alíquotas das contribuições devidas e da alíquota do IR, determinada mediante a aplicação de 15% (quinze por cento) sobre a base de cálculo estabelecida no art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, conforme a natureza do bem fornecido ou do serviço prestado.”
Quanto à obrigatoriedade dos estados e municípios promoverem a retenção do imposto de renda dos atuais pagamentos, não há dúvida, em razão de sua titularidade constitucional em relação a estes valores. Conforme muito bem definiu José Cretella Júnior:
“O imposto de renda devido pelos servidores públicos da Administração direta e indireta, bem como de todos os pagamentos feitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, retidos na fonte, irão para os cofres da unidade arrecadadora, e não para os cofres da União, já que, por determinação constitucional pertencem aos Estados e ao Distrito Federal” (Cretella Júnior, 2018, p. 3714).
Inclusive, em eventuais demandas judiciais entre contribuinte e agente arrecadador, já há um posicionamento clássico do STF e STJ de que: “Os Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição de imposto de renda retido na fonte proposta por seus servidores” (REsp nº 989.419/RS e RE 698.908).
Observe-se, contudo, que no julgamento do Tema 1130, o Supremo não modulou os efeitos de sua decisão. Pelo contrário, declarou a correta aplicação da norma constitucional, que estabelece que “pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles (…)“.
Algo que precisa ser amadurecido pela doutrina especializada e pela advocacia pública é a questão do destino dos valores dos últimos cinco anos e, anteriores à decisão da Suprema Corte, que não foram retidos pelos estados e municípios. Ora, se a eficácia da decisão do STF apenas declarou a aplicação do artigo 158, I e 159, I, ambos da Constituição, que desde de 1988 já previam a titularidade de estados e municípios no produto do imposto de renda sobre contratações públicas realizadas por eles, qualquer pagamento diferente, seria indevido!
Neste caso, os estados e municípios da Federação teriam legitimidade ativa para ajuizamento de demandas repetitórias em face da União. O fundamento para a previsão legal do ressarcimento destes valores, isto é, da devolução daquilo que foi indevidamente pago, reside, dentre outros, no direito à propriedade privada (CF/1988, artigo 5º, XXII); nos princípios da legalidade e moralidade e no princípio segundo o qual ninguém deve enriquecer sem causa. Aquele que recebeu valores que não lhe pertence deve devolver ao seu verdadeiro titular em via administrativa ou judicial.
Esta temática não chegou a ser analisada pelos tribunais superiores, embora houvesse uma tentativa no julgamento do Agravo Interno do REsp nº 1.621.691/ES, onde o Superior Tribunal de Justiça não julgou esta situação por compreende-la ser de matéria constitucional.
Ainda assim, os pagamentos à União por pessoas físicas e jurídicas contratadas pelos estados e municípios deverão retornar aos cofres estaduais e municipais, pois não houve relação jurídico-tributária válida entre o IR e o ente federal. Esse caso requer a aplicação do artigo 884 do Código Civil, que determina que quem, sem justo motivo, enriquecer causando danos ou perdas a outra pessoa, será obrigado a restituir o que foi indevidamente obtido. O princípio que fundamenta essa questão é o da justiça, que significa dar a cada um o que é seu. Assim, a legislação é clara quanto ao enriquecimento ilícito, estabelecendo mecanismos para que a restituição seja feita à parte prejudicada.
Em respeito à segurança jurídica, entende-se ser plenamente viável o ajuizamento de demandas de recuperação de crédito tributário indevidamente recolhido aos cofres federais. Dado que a relação tributária não se configura, conclui-se que a recuperação desses valores é cabível. Ignorar essa possibilidade significaria desconsiderar o fundamento da regra de repartição constitucional.