Ao manter ontem na cadeia o ex-minstro Antônio Palocci, acusado na Operação Lava Jato de receber propinas da Odebrecht estimadas em R$ 128 milhões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançou no ar uma dúvida: preso, Palocci tentará fazer um acordo de delação premiada ou manterá o silêncio de petistas como João Vaccari ou José Dirceu?
O valor de uma delação de Palocci – alcunhado “italiano” nas planilhas da Odebrecht – é evidente. Foi ele, segundo os delatores da empresa, que cuidou das propinas destinadas às campanhas do PT e foi principal elo do partido com a empresa, até deixar a Casa Civil do governo Dilma Rousseff e ser substituído na tarefa pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega – o “Pós-Itália”.
A atuação de Palocci não se restringiu à Odebrecht. Desde o primeiro governo Lula, ele manteve estreitas relações com banqueiros e empresários. Considerado a voz mais moderada e realista num partido repleto de desvarios ideológicos, Palocci era quem todo empresário procurava quando precisava resolver problemas com o governo.
Dentro do PT, era considerado inimigo pelas alas marxistas, xingado de “neoliberal” e tido como “pseudo-tucano”. Prefeito de Ribeirão Preto, violou a cartilha petista e privatizou a companhia telefônica da cidade, enquanto se envolvia num dos primeiros escândalos de corrupção a alvejar o partido.
Ministro da Fazenda de Lula, manteve a ortodoxia na condução da economia, ampliou os superávits primários nas contas públicas e, quando caiu no escândalo da quebra do sigilo do caseiro Francenildo, ainda lutava pela implantação do déficit nominal zero (que inclui nas metas do governo pagamentos de juros).
Se tivesse obtido sucesso, é possível que o Brasil fosse poupado da lambança fiscal que teve início com a gestão de Mantega na Fazenda. Mas a rivalidade de Palocci com o ex-ministro José Dirceu Lula levou à derrocada de ambos – e abriu espaço para a ascensão da então inexpressiva DIlma Rousseff, em cujo mandato imperou a insanidade heterodoxa na gestão das contas públicas.
Mesmo fora do governo, Palocci jamais deixou de operar, em nome próprio e do PT. Sereno e discreto, sempre teve um perfil mais eficaz e menos histriônico que outros políticos hábeis, mas embriagados pelo próprio ego, como Eduardo Cunha ou José Dirceu. Era um dos cérebros e um dos principais beneficiados nos esquemas petistas, pela posição-chave que ocupava entre as empresas e o partido.
Uma delação de Palocci traria um manancial precioso de informações novas para a Lava Jato. Se apenas o caixa dois de campanha delatado pelo marqueteiro João Santana e por sua mulher, Mônica Moura, tem causado tanto rebuliço, imagine uma delação do “italiano”?
Acima de tudo, ela também traria um exemplo. Se falar, Palocci seria o primeiro petista graduado a violar a “omertà” mafiosa que impera no partido. E também o primeiro político de peso a encarar a verdade na Lava Jato, em vez de prosseguir com a série de negativas hipócritas a que o brasileiro tem sido submetido nos últimos tempos – semelhantes a um catálogo de revestimento de madeira, como escrevi em comentário à Lista de Fachin.
Claro que nem tudo o que os delatores falam deve ser aceito como verdade absoluta. Os acusados têm todo o direito a se defender, a esclarecer os pontos que acreditam ser falsos e a ser julgados de modo imparcial. Mas não faz bem a ninguém que a política brasileira continue a ser dominada pela desfaçatez e pela cara-de-pau.
Um exemplo singelo: a defesa do ex-ministro Henrique Eduardo Alves chega ao cúmulo de negar até sua presença à célebre reunião no escritório do presidente Michel Temer na campanha de 2010, ao lado de Cunha, do lobista João Augusto Henriques e de executivos da Odebrecht – confirmada por todos os demais presentes, inclusive o próprio Temer. É ridículo acreditar que isso possa de alguma forma beneficiá-lo.
Diante do estrago das bombas lançadas pelos delatores, os políticos de Brasília precisavam compreender que não haverá saída por meio de anistia, reformas de ocasião ou negativas hipócritas. O único modo de reinventar a política no Brasil – e ela precisará ser reinventada um dia – é encarar a verdade. Sem fazer isso, eles apenas cavarão mais fundo a própria cova.
A saída jurídica que preserva a verdade se chama delação premiada. Foi o que perceberam todos os empreiteiros presos na Lava Jato, até o mais teimoso deles, Marcelo Odebrecht – aquele que não “tinha o que dedurar”. É natural que os políticos, que fazem da mentira um meio de vida, resistam a aceitar esse fato. Os mais inteligentes, como Cunha ou Palocci, parecem agora começar a entendê-lo.