A BM&FBovespa iniciou no Brasil as transações de alta frequência, feitas por supercomputadores no intervalo de milissegundos, que estão sob investigação da SEC (a CVM dos Estados Unidos) sob suspeita de promover concorrência desleal e de inflar artificialmente preços de ações, commodities e contratos financeiros. A novidade é uma das maiores apostas da Bolsa de Valores para elevar o número de negócios no mercado brasileiro.
Esses supercomputadores conseguem identificar possibilidades mínimas de ganhos e enviar ordens até 30 milissegundos à frente da concorrência, tempo mais do que suficiente para, em tese, interpretar e deduzir os valores pelos quais os demais investidores aceitam comprar ou vender uma ação ou contrato.
A tecnologia já está em funcionamento no Brasil desde o fim de junho para negócios com commodities e derivativos na rede da antiga BM&F, que aluga um espaço para esses investidores colocarem suas máquinas ligadas diretamente ao sistema da Bolsa.
A vantagem é que, dentro do prédio da Bolsa, eles conseguem colocar rapidamente as ordens sem correr o risco de atraso ou de pane em redes de intermediários. Para evitar espionagem industrial, o espaço é vigiado por câmeras 24 horas por dia. Os supercomputadores são acessados a distância, de seus países de origem.
Segundo a Bovespa, a ideia original era iniciar esse tipo de operação para negócio com ações ainda neste trimestre, mas isso depende de autorização da CVM. A Bolsa não revela a identidade nem o número de clientes que já utilizam essa tecnologia no país.
A exemplo da SEC, a CVM afirma que também está de olho se essa tecnologia representa uma ameaça ao mercado. “Estamos acompanhando os debates no exterior”, afirmou, em nota. A autarquia disse ainda que não recebeu um pedido formal da Bolsa para iniciar a operação com ações.
Na Bolsa de Nova York, 46% das transações diárias são feitas pelos supercomputadores. A consultoria Themis, cujas críticas deflagraram as investigações na SEC, estima que 70% dos negócios sejam feitos por essa tecnologia, gerando uma avalanche de ordens e elevando a receita das Bolsas.
Os computadores conseguem ganhar centavos com pequenas arbitragens entre preços que deveriam caminhar juntos (soja no Brasil e em Chicago, ações de uma mesma empresa no país e no exterior), colaborando para reduzir pequenas imperfeições do mercado.
Executivos das Bolsas afirmam que esse investidor gera muitas ordens, irrigando os negócios com liquidez e corrigindo pequenas imperfeições na formação de preços.
Algoritmos
Utilizando algoritmos matemáticos (sequência de passos definidos para realizar uma tarefa), esses supercomputadores também conseguem testar o preço pelo qual um investidor tem ordem programada para vender uma ação.
Por exemplo, para descobrir se um fundo de pensão tem ordem para comprar uma ação a US$ 20,10, o supercomputador começa a enviar pequenas “iscas” vendendo esse papel a US$ 20,01, depois US$ 20,02 até obter um OK. Ao mesmo tempo, ele utiliza a mesma técnica para localizar outro investidor vendendo a mesma ação num valor próximo a esse.
Se encontrar um vendedor a US$ 20,08, poderá comprar todo o lote e ainda vender para o outro a US$ 2,10, embolsando US$ 0,02 por ação. E isso antes de que os dois consigam fechar negócio entre si.
Crise
Segundo estudo da Themis, essas operações vão sempre em favor da tendência de mercado, acentuando eventuais bolhas.
Analistas afirmam que foram essas transações que impediram a derrocada das Bolsas durante os piores meses da crise. Bancos como o norte-americano Goldman Sachs se mantiveram lucrativos nos meses mais difíceis com os ganhos obtidos por essas ordens.
O assunto virou a maior polêmica nos mercados dos Estados Unidos e da Europa desde o problema com os derivativos de crédito das hipotecas “subprime” (de alto risco), que deflagraram a atual crise global.
“Essa tecnologia foi o que segurou o mercado [na crise]. Todo mercado eletrônico tem a vantagem de ser mais econômico, mais preciso e mais rápido. Tudo o que é mais rápido faz com que as coisas aconteçam de uma maneira mais violenta. O fator negativo é a concorrência desleal e acelerar uma tendência. Mas também permite a existência de um mercado muito forte, que permite captações como as da VisaNet [que levantou R$ 8,4 bilhões em oferta inicial de ações em junho].
Também fica mais eficiente, evita fraude e diminui riscos”, afirmou Milton Wagner, da consultoria Wagner Investimentos.
“É bom que tenha gente querendo explorar essas arbitragens. Isso traz liquidez e zera imperfeições. O problema é a Bolsa deixar uma tecnologia privada ter acesso a ela de forma diferente dos outros. Será um problema se a Bolsa estiver dando a informação dela, mesmo que ao mesmo tempo para todos, sabendo que poderá ter um uso privilegiado”, disse Ricardo Almeida, especialista em mercados de capitais do Insper (ex-Ibmec-SP).