O Brasil caminha na direção de uma taxa de juro real mais próxima dos países desenvolvidos. Com a crise, a redução da Selic foi acelerada e o Brasil apresenta hoje uma taxa real histórica abaixo de 5% ao ano. A dúvida agora é saber se esse patamar é permanente ou se, passada a turbulência, os juros voltarão a subir.
Levantamento feito pelo Valor Data com dados de 43 países mostra que o Brasil está na quinta posição no ranking de juro real, com taxa de 4,64% ao ano (considerando o juro básico descontado da inflação esperada para um ano). Fica atrás de Croácia (6,19%), Hungria (6,03%), Islândia (5,26%) e China (4,90%).
A condição é melhor do que no passado. Em julho de 2008, antes do agravamento da crise, portanto, a economia brasileira registrava taxa real de 7,37% ao ano, atrás apenas de Islândia (10,96%) e Turquia (9,64%).
Mas não foi só o Brasil que apresentou trajetória declinante no passado recente. Por conta da crise, os bancos centrais de todo mundo se viram obrigados a derrubar os juros para tentar estimular a economia. Assim, o patamar brasileiro continua acima de outros países em desenvolvimento, como Índia (0,81%) e México (0,62%). E também de nações ricas, como Estados Unidos (0,76%) e os países da zona do euro (0,25%). Há ainda um grande contingente que registra juro real negativo, como Reino Unido (- 0,61%) e Chile (- 2,35%).
A discussão agora é se esse novo patamar de juro é de fato estrutural, ou seja, se responde a melhorias da economia brasileira; ou se foi atingido um nível tão baixo por conta da forte desaceleração econômica vivida com a grave turbulência financeira do final do ano passado.
Segundo o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, o atual patamar de juro real brasileiro não é conjuntural. Para ele, a economia mudou nos últimos três ou quatro anos, especialmente por conta da abertura comercial. “Há uma série de fatores que permitem afirmar que podemos trabalhar com um juro real mais baixo. O mais importante vem do lado externo. A moeda é diferente do que era anos atrás por conta do nível de abertura da economia brasileira. A importação passa a funcionar como moderador de preços. Essa é a mudança básica que muitos economistas esquecem”, disse Mendonça de Barros, estrategista da Quest Investimentos.
Ele cita como exemplo o grande boom de consumo da segunda metade de 2007 até 2008, quando a importação respondeu por boa parte da oferta. “Há uma economia nova. E se isso é verdade, não precisamos ter o mesmo nível do juro real de antes.”
Para o economista, a abertura e uma moeda forte faz uma “diferença tremenda” nas expectativas, já que o industrial pode programar importações de longo prazo, sabendo que a economia hoje é mais estável. Essa confiança na moeda brasileira “trouxe uma ancoragem para as expectativas que permitiu que a deflação externa fosse trazida para o país por meio das importações.”
Ainda existem algumas dúvidas inflacionárias, ressalta, especialmente por conta do setor de serviços, mas mesmo nesse segmento a inflação vem recuando, o que descarta elevações da Selic em 2010. Por fim, ele cita que a forte desvalorização do real no fim do ano não chegou, nem chegará, até a inflação, porque as commodities caíram na mesma proporção. “Como vai aparecer inflação se em reais os preços não subiram?”
Andre Modenesi, professor do Ibmec-RJ e pesquisador do Ipea, lembra que desde o abandono da âncora cambial, em 1999, a política monetária vem passando por um processo de flexibilização, depois de conviver com uma taxa real média de 22%, entre 1995 e 1998. Ele ressalta, no entanto, que esse processo tem sido muito lento e o país continua sendo um dos recordistas em termos de taxas de juros.
Além disso, Modenesi destaca que não há uma mudança estrutural na economia brasileira que indique que o patamar da taxa de juros mudou de forma definitiva. “Continuo tendo razões para crer que a inflação é pouco sensível à Selic e que, portanto, haverá uma correção na política monetária, quando retornarmos a uma situação de normalidade”, avalia.
Para ele, portanto, os efeitos da crise é que colaboram com o atual cenário. Primeiro, por uma drástica desaceleração do nível de atividade, aliado a uma queda muito expressiva dos preços das commodities, o que representa um choque positivo de oferta. Somado a isso, a moeda tem sofrido um intenso processo de valorização.
Sem esses efeitos, voltariam à tona dois pontos que comprometem a transmissão da política monetária e que, segundo ele, continuam presentes na economia brasileira: a elevada participação dos preços administrados e a indexação (de parcela) da dívida pública à taxa básica de juros.