O Banco Central surpreendeu baixando a taxa Selic mais do que era esperado. Teria sucumbido a pressões políticas? O Ministério da Fazenda é crítico da política monetária, e se pudesse forçaria o BC a uma atitude muito mais “ousada”. Apesar disto entendemos que a queda de 100 pontos base da taxa Selic na última reunião do Copom foi uma decisão técnica, e não política. Por que os sinais emitidos pelo BC levaram o mercado a apostar em uma queda menor da taxa Selic?
É neste ponto que entra a política. Atualmente o BC fala publicamente a dois grupos distintos: ao mercado financeiro, emitindo os sinais da política monetária; e ao resto do governo, defendendo-se das críticas, diretas e indiretas, emanadas do Ministério da Fazenda. Se as criticas ficassem sem resposta, reduziriam a sua independência no uso dos instrumentos de política monetária. Ocorre que ao respondê-las o BC emite ao mercado sinais confusos sobre a condução da política monetária. O resultado é que cai a transparência da política monetária, reduzindo a sua eficácia.
Tomemos o exemplo da recente aceleração na valorização do real. Imediatamente surgiram pressões para que o BC exercesse controles sobre os ingressos de capitais, e derrubasse agressivamente a taxa de juros buscando uma meta para a taxa cambial. Se essas críticas viessem apenas dos exportadores, exercendo o direito de defender seus interesses, não teriam maiores consequências. Mas esta posição foi publicamente defendida pelo presidente do BNDES, que tem ligações com o Ministro da Fazenda, indicando que cresceu a divergência, que nunca foi pequena, entre o Ministério da Fazenda e o BC quanto à condução da política monetária.
O BC rejeita, corretamente, a ideia de controlar ingressos de capitais e de acelerar a queda da taxa de juros com o objetivo de atingir uma meta para a taxa de câmbio. O Brasil tem experiência no campo dos controles de capitais, e as evidências empíricas mostram que como o mercado financeiro é sofisticado, rapidamente são encontradas formas de contornar os controles, que perdem eficácia. Sabe, também, que não é a política monetária que afundou a economia brasileira na presente recessão. Ao contrário, é ela que tem evitado uma recessão mais profunda.
Contudo, embora não se curve a pressões políticas e reafirme que manterá a política monetária, o BC sabe, também, que uma apreciação cambial persistente abre a possibilidade de reduzir adicionalmente as taxas de juros. Primeiro, porque a valorização do câmbio nominal reduz as pressões sobre os preços dos bens tradables. Segundo, porque a demanda agregada se expande com um câmbio real mais depreciado, permitindo que a queda da taxa real de juros possa – e deva – ser usada, diante da valorização do câmbio real, para evitar uma contração ainda maior da demanda agregada. Terceiro, porque independentemente do que vem ocorrendo com a taxa cambial, a atividade econômica vem se recuperando com lentidão, o que demandaria uma dose maior de estímulos monetários. Sabendo tudo isto, teria que ser muito mais cuidadoso nos seus pronunciamentos públicos, evitando emitir sinais que, uma vez contrariados, reduzem sua própria credibilidade.
O quadro complicou-se ainda mais quando em meio à confusão destas informações conflitantes veio a notícia sobre o desempenho do PIB no primeiro trimestre de 2009. A boa notícia é que a queda foi de apenas 0,8%, menor do que a mediana das expectativas de consenso, que era de uma queda de 2%. Desta notícia o mercado tirou a conclusão de que a recessão não era tão profunda, confirmando os sinais emitidos nos pronunciamentos públicos do BC. Entendeu, assim, que tudo isto reforçava a visão de que a taxa de juros cairia mais lentamente.
Mas a realidade dos fatos era outra. Primeiro, os dados do PIB do primeiro trimestre de 2009 mostraram que esta é a recessão mais profunda da nossa história recente. A queda acumulada do PIB em dois trimestres foi de 4,5%, que é muito superior à maior queda ocorrida desde 1995, que foi de 1,7% em dois trimestres. Partimos, por isso, de um hiato negativo de produto muito grande – na realidade o maior de toda a história do regime de metas de inflação -, que se não for reduzido rapidamente provocará a queda da inflação abaixo da meta de 4,5%, as custas de um comportamento do PIB ainda pior no ano de 2009. Em adição, o mercado ignorou que, embora a economia já mostre sinais de recuperação, esta é muito lenta.
Em uma economia operando muito abaixo da plena utilização da capacidade, elevar o produto é sinônimo de expandir a demanda agregada. É neste sentido que atualmente somos todos keynesianos. Mas o “mestre” também nos ensinou que é o efeito multiplicador sobre os investimentos em capital fixo que tem o condão de expandir velozmente a demanda agregada. Ocorre que com níveis altos de capacidade ociosa, e lucros muito baixos das empresas, os investimentos são desestimulados. É isto que explica a enorme queda na formação bruta de capital fixo no quarto trimestre de 2008 e no primeiro de 2009. É isto que está por trás do fato de que embora o consumo já venha se recuperando, ainda não há sinais de crescimento dos investimentos em capital fixo. A letargia dos investimentos retarda a recuperação, e mantém o hiato negativo por mais tempo.
Há, assim, um círculo vicioso que precisa ser rompido: os baixos níveis de utilização da capacidade desestimulam os investimentos; e sem a aceleração dos investimentos demorará um período muito longo para que a capacidade ociosa seja absorvida. Para rompê-lo é preciso elevar a utilização de capacidade e os lucros das empresas, sem o que os investimentos não retornarão, e a forma eficaz de fazê-lo é trazer a taxa real de juros para níveis abaixo da taxa neutra de juros, mantendo-a neste nível o tempo que for necessário para estimular a atividade econômica, criando com isso as condições para a retomada dos investimentos. O problema se agrava diante do fato de que esta recessão deve-se às ondas depressivas emanadas pela economia internacional, que ainda continuam, o que requer estímulos ainda maiores à demanda doméstica.
Um quadro como este requer uma queda mais ampla da taxa de juros. Era isto que o BC deveria ter sinalizado. E é isto que a política impediu que fosse sinalizado.