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18 de abril de 2024Entrega de docinhos e massinhas congeladas. Captada por acaso em ligações telefônicas, a conversa com esses itens poderia confundir-se com temas gastronômicos. No cenário em que foi gravada, o da investigação da Operação Concutare, da Polícia Federal, não deixa dúvida: os interlocutores estão falando de propina.
Quando a empresa interessada em obter licenças ambientais fraudadas era de Pelotas, o dinheiro destinado a pagar o serviço virava “docinho”. Se o empresário corruptor fosse da Serra, os valores eram “massinhas congeladas”. Foi descortinando códigos como esses que policiais federais rastrearam por quase um ano engrenagens supostamente criminosas instaladas em órgãos ambientais municipais, estaduais e federal para lucrar à custa do meio ambiente.
O cenário descrito na investigação é “(…) marcado pela promiscuidade entre agentes públicos e particulares, pela relativização dos rigores estatais por influência do dinheiro e do franco descaso com a causa ambiental”.
A prisão de 18 suspeitos, há uma semana, foi a etapa ostensiva do trabalho. Impactou os governos Tarso Genro e José Fortunati, já que entre os detidos havia integrantes da cúpula ambiental do Piratini e da prefeitura. Também foram recolhidos à carceragem da PF, para depois serem transferidos para o Presídio Central, servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), intermediários de negociatas definidos como “despachantes ambientais” e empresários.
Em conversa telefônica com um empresário sobre dificuldades criadas por servidor da Fepam em vistorias, Lúcio Gonçalves da Silva Junior, consultor ambiental investigado e preso pela PF, fala da solução:
— (…) tem que pegar o Ricardo para ele fazer isso e me liberar isso aí sem trauma. Porque senão vai ser um Deus nos acuda. Vai ser promotor, vai ser defesa. (…) Eu prefiro pegar o Ricardo, dar as massinha para ele e ele liberar esse troço.
O empresário que estaria interessado em burlar a fiscalização rigorosa, aceita:
— Mas tem que dar um caminhão de massa.
O destinatário do que a PF entende se tratar de propina seria Ricardo Sarres Pessoa, servidor da Fepam. Preso com R$ 350 mil, ele confessou o esquema e deu nomes de corruptores. Pessoa era procurado por despachantes ambientais no trabalho, pelo telefone pessoal, em casa. A relação com Lúcio era tão próxima e os pedidos tão frequentes que o servidor chegou a reclamar em mensagem de texto enviada ao telefone de Lúcio: “Tu s insaciável? Vc nem agradeceu as recentes e já qr mais? Vc qr 1 empregado?”
O que fez a Justiça Federal decretar prisões temporárias — a PF havia pedido preventiva, uma medida mais rigorosa e de maior duração — está descrito em milhares de páginas do inquérito. Há suspeitos zelosos, que demonstravam cuidados ao falar ao telefone, enquanto outros tratavam abertamente de valores a serem dados a agentes públicos, chegando a ditar números de contas bancárias. Dados que contribuíram para o cruzamento de informações reunidas a partir das quebras de sigilo telemático (de e-mails e torpedos), telefônico, fiscal, bancário e financeiro.
O que os investigados falavam e combinavam ia sendo comprovado pelas autoridades em análises de depósitos e saques bancários, em encontros registrados em imagens e, o mais grave, na constatação de que documentos oficiais estariam sendo expedidos ao arrepio da lei, sob fraude, com o aval de agentes públicos que deveriam atuar em prol da proteção do meio ambiente.
A atuação do geólogo Alberto Antônio Muller, servidor do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), foi dada como exemplo na apuração do “quão nocivo pode se tornar o mau exercício de um cargo público”. Muller, que também foi preso, foi investigado pelo “sistemático recebimento de propina para praticar atos de ofício” e pela utilização de “informações privilegiadas de que dispõe em razão das funções para locupletar a si e a seus comparsas com a aquisição de direitos minerários e posterior alienação”.
Em julho do ano passado, um diálogo registrou, segundo autoridades, tratativas de um dos pagamentos ilegais a Muller. Dois consultores ambientais falavam sobre a necessidade de entrega de documentos no DNPM, mas precisavam, para isso, acertar determinada quantia com o servidor federal.
— Eu tenho que entregar aqueles papéis, aqueles documentos. (…) O que falta é a grana.
O interlocutor sugere:
— Pedala para segunda.
A naturalidade dos supostos pagamentos de propina era tanta que podiam ser feitos até mesmo em cheque, como teria ocorrido por parte do empresário Paulo Régis Mônego, também alvo de prisão. Ele teria interesse em tornar sem efeito autos de infração emitidos pelo DNPM contra sua empresa. Conversa telefônica entre Alberto Muller e Mônego registrou uma negociação em torno de duas quantidades de “mapas”: 10 e 30. O termo “mapa” era novo no cenário da investigação da PF, que seguiu monitorando o assunto. A explicação veio em conversas sobre a rejeição de um cheque por insuficiência de fundos. Muller pediu que um interlocutor cobrasse do empresário Mônego.
— Só para te dar retorno, o segundo mapa daqueles que fui pegar contigo bateu na trave aqui.
Depois de o empresário garantir que havia fundo, o interlocutor de Mônego aproveitou para negociar a parcela seguinte:
— O terceiro mapa já tá com data para depositar. Pode depositar?
Não foi difícil para a PF incluir o termo “mapa” no glossário da propina.
Cúpula estaria envolvida
“É de ressaltar que a citada rede criminosa não se restringe a servidores subalternos dos órgãos ambientais. Muito pelo contrário. As interceptações telefônicas indicam que o representante máximo da Fepam (Carlos Fernando Niedersberg, que antes de a operação ser desencadeada foi nomeado secretário estadual do Meio Ambiente) esteve diretamente envolvido na concessão ilegal de licenças mediante o recebimento de vantagens indevidas”, diz trecho da investigação.
Em outro item, é destacado o trabalho de servidores da fundação:
” (…) é forçoso enaltecer — e os diálogos deixam claro — que havia servidores da Fepam possivelmente interessados em bem cumprir suas atribuições, declinando opiniões técnicas a respeito das questões ambientais que lhes eram postas. No entanto, como a corrupção encontrava-se arraigada nos cargos-chave da fundação, o apelo do interesse financeiro falava mais alto”.
Atuação de agente público em prol de interesses privados
Gabriele Gottlieb, que à época era chefe da assessoria jurídica da Fepam, apareceria em diálogos negociando forma de viabilizar um empreendimento. Em conversa com Giancarlo Tusi Pinto, diretor do Instituto Biosenso, apontado na investigação como entidade usada para intermediar pagamento de propina a agentes públicos, Gabriele acertaria como o empreendimento podia ter andamento, apesar de haver parecer técnico contrário. Gabriele diz ao interlocutor, que atua representando interesses empresariais:
— (…) é uma relação de ceder e ceder. (…) existe parecer inicial de inviabilizar o empreendimento. (…) Existe uma ideia inicial, deles, de ocupar toda a área. Nenhuma das duas coisas vai acontecer.
Presidente da Fepam daria orientações
Também em conversa que teria como interlocutor Giancarlo Tusi Pinto, Carlos Fernando Niedersberg falaria sobre como o consultor deveria fazer documento em prol de empreendimento que estava com problema para obter licença:
— Meu amigo, já fizeram os dois, uma pré-análise e dão uma sugestão: tá bem consistente, só não tem alternativa, né? Que seria já apontar a sugestão de cambiar a localização por compensação ambiental, certo?
Dinheiro seria para campanha do PC do B
Conforme a investigação, o então presidente da Fepam, Carlos Fernando Niedersberg, solicitou aos integrantes do Instituto Biosenso, os também investigados Berfran Rosado e Giancarlo Tusi Pinto, dinheiro (R$ 15 mil) para a campanha de Jussara Cony, que concorria à Câmara de Vereadores. Em diálogo gravado em agosto de 2012, Niedersberg e Pinto estariam acertando o pagamento do valor solicitado. Pinto propõe parcelamento:
— Aquela tua cota? Dá quinze, né? Se eu te fizer, pegar cinco agora na sexta-feira, cinco na outra, cinco na outra. Pode ser?
Niedersberg concorda:
— Vixê, nossa, é gratidão eterna, é óbvio que pode.
Jussara Cony disse a Zero Hora que não recebeu qualquer doação de campanha oriunda do Biosenso ou dos diretores do instituto.
Propina em envelope na portaria de casa
Em relação à atuação do servidor da Fepam, Ricardo Sarres Pessoa, a investigação destaca ser caso clássico de corrupção, em que o “servidor, mediante pagamento e valendo-se da posição funcional que ocupava, expedia diversas licenças à revelia das normas ambientais”. Teria sido flagrada a tratativa entre um empresário e um consultor ambiental sobre pagamento a ser destinado a Pessoa. O consultor pergunta como o empresário quer pagar e informa que ofereceu valor abaixo do que teria sido previamente combinado:
— Como é que tu quer acertar lá com o Ricardo? É que eu vou ter que ir no final de semana na casa dele com um pacotinho fechado, deixo na portaria. (…) Eu botei para ele oito mil. Não quis dar os 10. (…) vou negociar aqui por baixo prá não ter uma margem para se ele não gostar. Então, ele pegou de primeira. Oito mil, tá?
GLOSSÁRIO DA PROPINA
O uso de termos como ofícios, fotos, arquivos e pastas em um mesmo diálogo, tratando de um mesmo assunto, fez a PF entender que todos foram usados para encobrir o termo propina. Veja outros termos decifrados ao longo da investigação:
Docinhos
Quando a empresa interessada no serviço ilegal era de Pelotas
Massinhas congeladas
Quando empresário que estava negociando pagamento ilegal era da Serra
Mapas
Usado numa situação em que o pagamento foi feito com cheques
Cronograma de desembolso
Usado em conversa com servidor como provável “estímulo” para que agilizasse o serviço que estava sendo solicitado
CONTRAPONTOS
O que diz o advogado César Moreno Carvalho Júnior, que defende o empresário Paulo Mônego:
“Em nenhum momento meu cliente fala em propina. Ele nunca pagou e nunca recebeu nenhum tipo de pagamento.”
Zero Hora deixou recado na caixa postal do telefone de Gabriele Gottlieb, mas ela não deu retorno. Também fez o mesmo procedimento com o advogado Eduardo Campos, que defende Carlos Fernando Niedersberg. ZH deixou recado na caixa postal de Giancarlo Tusi Pinto, sem retorno.
Os advogados de Ricardo Sarres Pessoa, de Lúcio Gonçalves da Silva Junior e de Alberto Antônio Muller não foram localizados.