A Polícia Civil recolheu documentos em oito prefeituras do Rio Grande
do Sul, ontem, durante uma das etapas da Operação Cartola, que
investiga desvio de recursos de administrações municipais.
Os 550
policiais que foram às ruas durante a madrugada recolheram documentos
nas prefeituras de Tramandaí e Osório, no Litoral Norte; Viamão,
Cachoeirinha e Alvorada, na Região Metropolitana de Porto Alegre;
Parobé, no Vale do Sinos; São Sebastião do Caí, no Vale do Caí; e
Canela, na Serra. Além disso, houve buscas de papéis e computadores em
endereços de residências e escritórios particulares de Porto Alegre e
Canoas.
O delegado de Repressão aos Crimes Contra a Fazenda
Estadual (Defaz), Joerberth Nunes, disse que a investigação, iniciada em
setembro do ano passado, indica que uma empresa de publicidade, a PPG,
era favorecida em licitações públicas e, depois de contratada,
terceirizava serviços, a preços superfaturados.
Nesta triangulação a
empresa obtinha os lucros ilícitos alegados pela polícia. Segundo as
investigações, as fraudes envolvem além da PPG, agência de comunicação e
marketing, outras 15 empresas.
Os serviços prestados incluíam
campanhas publicitárias, organização e promoção de eventos e
fornecimento de materiais e serviços. O total dos contratos, somado
desde 2008, é próximo de R$ 30 milhões, mas a polícia não tem um cálculo
da parte deste valor que corresponde a serviços efetivamente prestados e
a desvios.
“Já há comprovação de superfaturamento através de
laudos periciais. Está tudo documentado, mas pelo próprio sigilo da
operação não podemos detalhar os meios de investigação que foram
utilizados”, explica o delegado.
Além de documentos e CPUs, as buscas
resultaram na apreensão de R$ 150 mil em espécie, valores encontrados
na sede de uma das empresas investigadas e também na casa do secretário
da Fazenda de Alvorada.
Embora não tenha divulgado informações
conclusivas, a polícia acredita que o caso possa ter alguma conexão com
financiamento de campanhas eleitorais, seja por doações ou por prestação
de serviços não declarados.
Segundo a investigação, ao financiar
campanhas políticas, a empresa obtinha em troca o direcionamento de
licitações, não apenas em publicidade, mas também em outros setores da
administração pública.
Entre os envolvidos no esquema, que
incluía distribuição de propinas, estariam alguns secretários e
funcionários públicos municipais, mas não foi citado nenhum prefeito.
Nunes afirmou que a investigação pode até ajudar alguns chefes de
Executivos municipais a identificar servidores envolvidos com práticas
fraudulentas. A polícia chegou a pedir a prisão de 16 pessoas, mas a
Justiça negou, expedindo somente os mandados de busca e apreensão.
A
operação da Polícia Civil envolveu prefeituras de diversos partidos. O
PMDB administra Canela e São Sebastião do Caí, o PTB Alvorada e Parobé, o
PT Viamão, o PP Tramandaí, o PDT Osório e o PSB Cachoeirinha.
A
PPG mantém ainda contrato de prestação de serviços com a Assembleia
Legislativa, que, entretanto, não figura na atual investigação. Os
telefonemas para a PPG não foram atendidos durante o dia. Quase todas as
prefeituras envolvidas emitiram notas sobre a situação durante o dia,
mostrando-se entre surpresas e indignadas.
A partir da
investigação dos contratos com a PPG, outras empresas acabaram sob
suspeita, entre elas a MAC Engenharia, uma das investigadas na Operação
Solidária da Polícia Federal. No caso atual, o que chamou a atenção dos
agentes foi a emissão de uma nota fiscal de um serviço para uma gráfica,
no valor de R$ 400 mil. “A MAC Engenharia apareceu no nosso
procedimento porque presta serviços à prefeitura de Alvorada e estes
contratos estão sendo investigados”, disse o delegado.
Em nota, o
advogado da MAC Engenharia, Paulo Olimpio Gomes de Souza, manifestou
inconformidade com a operação, na qual a MAC “teve a sede de sua empresa
injustamente devassada com apreensão de documentos e material de
informática”. Observou ainda que a MAC “nunca trabalhou com publicidade,
o que leva à conclusão de que tudo não passou de um grave equívoco”.
O
primeiro passo da Operação Cartola foi dado em 3 de setembro de 2010,
quando o procurador-geral do Ministério Público (MP) de Contas, Geraldo
Da Camino, recebeu denúncia e tomou o depoimento de um homem (que teve a
identidade preservada).
A partir da informação, Da Camino
comunicou o fato relatado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), que
instaurou inspeções e encaminhou ofício, com cópia do depoimento à
Polícia Civil e ao Ministério Público (MP) Estadual.
A partir deste momento, foi montada uma força-tarefa com diversos órgãos públicos, que deu início às investigações.
“Tenho
ressaltado sempre a importância da integração das instituições. Com
isso conseguimos maior efetividade nos esforços de combate a
irregularidades na administração pública”, resume o procurador do MP
Contas.
Sete das oito
prefeituras com suspeitas de irregularidades apontadas na Operação
Cartola divulgaram notas de esclarecimentos se defendendo das denúncias.
Alvorada foi apontada como município com maior número de problemas. O
prefeito João Carlos Brum (PTB) defendeu que “a operação tem por foco
investigar as empresas contratadas e não especificamente esta
municipalidade”.
O prefeito de Canela, Constantino Orsolin
(PMDB), diz que pretende colaborar com os procedimentos de investigação e
que “está tranquilo, pois o contrato mantido pelo município tem origem
em gestão administrativa passada, de 2006”. Em Tramandaí, administrada
por Anderson Hoffmeister (PP), a prefeitura informou que o contrato com a
empresa de publicidade foi realizado por processo licitatório de 2009 e
auditado pelo Tribunal de Contas do Estado. “A administração municipal
está suspendendo o contrato até o esclarecimento dos fatos dos quais a
empresa PPG é investigada”.
O município de São Sebastião do Caí
também argumenta que as investigações são direcionadas à empresa de
publicidade e não à administração do prefeito Darci Lauermann (PMDB). O
prefeito de Osório, Romildo Bolzan Júnior (PDT), anunciou a suspensão do
contrato que a prefeitura mantinha com a PPG desde o ano passado, por
60 dias, “para saber exatamente, as consequências disso, mandando
auditar o contrato internamente, para ver se há questões que podem ser
objeto de exame”.
Em Viamão, o prefeito Alex Boscaini (PT)
afirma que “está suspendendo preventivamente o contrato que mantém com a
empresa envolvida até o fim da investigação”. De acordo com o petista,
“o contrato com a empresa de publicidade era só para veiculação de
comerciais de 15 segundos do IPTU em três emissoras de televisão.
Cachoeirinha,
administrada por Vicente Pires (PSB) anunciou que “não mantém contrato
com as empresas investigadas” e que “a PPG não presta serviços ao
município desde 2009”. Ao final da nota, critica a ação da força-tarefa
por “expor o município desnecessariamente”. Das oito cidades com
suspeitas de irregularidades, apenas Parobé, administrada pela prefeita
Gilda Kirsch (PTB), não divulgou nota de esclarecimento. A reportagem
não obteve retorno nos contatos que fez.