O governo de Donald Trump atropelou o Brasil e outros países latino-americanos ontem postulando a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), algo que nunca ocorreu em 61 anos de história da instituição.
O Tesouro americano divulgou nota anunciando a candidatura de Mauricio Claver-Carone, conhecido como um dos assessores mais próximos de Trump. Ele é o diretor para América Latina do Conselho de Segurança Nacional.
Por uma regra não escrita, o presidente do BID vem sempre de um país da América Latina e os EUA têm a vice-presidência. Sem surpresa, o anúncio do Tesouro caiu como uma “bomba” nos meios que acompanham as atividades dessa que é a maior instituição de desenvolvimento dedicada à America Latina e Caribe, fornecendo empréstimos e assistência técnica na região.
O lançamento da candidatura americana no BID equivale a romper com o acordo entre os desenvolvidos de ter um europeu comandando o Fundo Monetário Internacional (FMI) e um americano na direção do Banco Mundial.
A ideia no Brasil era de encabeçar um bloco de países alinhados no pensamento econômico, com o candidato brasileiro Rodrigo Xavier, escolhido pelo ministro Paulo Guedes. Argentina, Bolívia, Paraguai e Costa Rica também apresentaram candidatos. O argentino é Gustavo Osvaldo Beliz, secretário de assuntos estratégicos da Presidência de Alberto Fernández, adversário ideológico do governo de Jair Bolsonaro.
Aparentemente o Tesouro americano, que esperou para ver um candidato latino com ampla experiência de setor público, acha que nenhum nome apresentado tem o perfil esperado por Washington. E assim decidiu ir adiante com seu próprio candidato.
Uma das interpretações nos meios financeiros é que o governo Trump quer forçar uma negociação com essa candidatura “extemporânea”. Até porque não faz sentido em um banco, em que a maioria do capital é da região, ter um presidente americano, principalmente depois da grande discussão de democratizar a liderança das instituições multilaterais.
O governo brasileiro terá de reexaminar agora a candidatura de Rodrigo Xavier. No mínimo, a negociação para ganhar votos agora será muito mais dura. O secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, telefonou na segunda-feira para o ministro Paulo Guedes, mas não se sabe se ele tocou na questão da presidência do BID.
Em todo caso, ainda há tempo para muita barganha e alguns não descartam a possibilidade reverter a situação. As candidaturas serão registradas em julho, para a eleição em setembro.
Mauricio Claver-Carone é cubano-americano e já foi antes vetado pelo atual presidente, Luis Alberto Moreno, para a vice-presidência normalmente reservada aos americanos. Agora Carone aparece como candidato a presidente, e certos observadores acham que Washington pode acabar saindo no mínimo com ele como vice-presidente na próxima gestão, como parte de negociações.
Os EUA têm 30% do capital do BID, com a maior contribuição. Para a presidência, ganha quem tem apoio de 50% mais 1% de votos do capital, mas também os votos de metade mais 1 entre os países latino-americanos. O BID também tem sócios de outras regiões.
O mandato na direção do BID é de cinco anos, com possibilidade de seus presidentes disputarem três reeleições. Por isso, até agora o banco só teve quatro presidentes: Felipe Herrera (Chile), Antonio Ortiz Mena (México), Enrique Iglesias (Uruguai) e Luis Alberto Moreno (Colômbia), que agora deixará o cargo após 15 anos.
O Valor apurou que o presidente da Colômbia, Iván Duque, telefonou a Trump pedindo apoio para uma extensão do mandato de Moreno, mas não foi atendido.
Antes de trabalhar no governo Trump, Maurice Claver-Carone ocupou uma diretoria-executiva do FMI e foi assessor no Departamento do Tesouro. Também dirigiu o Comitê de Ação Política EUA-Cuba Democracia. Foi um duro opositor da política de aproximação com Cuba durante a presidência de Barack Obama. Com Trump, tem influenciado a estratégia de confronto com o regime de Nicolás Maduro na Venezuela.