A cobrança pelo município de João Pessoa
de um débito de R$ 290 da Losango Promotora de Vendas, do grupo HSBC,
abriu a discussão entre os ministros do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) sobre a possibilidade de a Corte analisar a validade das Certidões
de Dívida Ativa (CDA). Atualmente, o STJ não verifica se os documentos
contêm as informações mínimas porque considera que isso demandaria uma
nova análise de fatos e provas, proibido pela Súmula nº 7 da Corte,
segundo a qual o “simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
As CDA’s são títulos que autorizam a
Fazenda Pública a cobrar débitos tributários judicialmente. Caso o
documento não contenha os requisitos previstos em lei, o Fisco não pode
executar a dívida. “Um erro de preenchimento da CDA pode ser fatal para o
Fisco”, diz o advogado Daniel Szelbracikowski, da Advocacia Dias de
Souza.
No julgamento do recurso – realizado em 6
de novembro – o ministro Ari Pargendler propôs uma revisão da
jurisprudência. Para ele, analisar a validade da certidão não é uma
questão de fatos, mas de direito já que os requisitos para sua validade
estão previstos na Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830, de 1980) e no
Código Tributário Nacional (CTN). “Acho realmente que o assunto talvez
pudesse ser repensado porque não seria razoável que tirássemos do crivo
do STJ uma questão importante dessa natureza”, disse, acrescentando que
as turmas de direito privado do STJ não deixam de analisar se uma nota
promissória é um título executivo extrajudicial com base na súmula.
Naquela ocasião, os ministros da 1ª
Turma do STJ – inclusive o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves –
concordaram que a discussão deveria ser remetida para análise da 1ª
Seção, responsável por uniformizar a jurisprudência do STJ em questões
de direito público.
Na sessão seguinte, porém, Benedito
Gonçalves voltou atrás, e desistiu de remeter o caso para a seção. Em
seguida, decidiu no sentido de aplicar a Súmula 7 para o caso. O
ministro Pargendler, então, pediu vista do processo.
A 1ª Seção deverá julgar em breve um
recurso repetitivo do Ceará em que se discute a violação dos
dispositivos de lei que disciplinam os requisitos da CDA. O relator é o
ministro Herman Benjamin. Segundo a procuradora da Fazenda Nacional,
Alexandra Maria Carvalho Carneiro, a questão relativa à Súmula 7 também
pode vir a ser discutida neste julgamento.
No recurso analisado pela 1ª Turma, a
Procuradoria-Geral de João Pessoa questiona decisão do Tribunal de
Justiça da Paraíba (TJ-PB) que havia anulado a execução porque a CDA
contra a Losango não possuía o índice de juros e a forma de atualização
monetária do débito. A procuradoria do município argumenta que a falta
dessas informações “não tem o condão” de invalidar a CDA, sobretudo
quando não for demonstrado prejuízo ao devedor. “Não há necessidade de
cumprir todos os requisitos”, diz Vandalberto Carvalho, procurador-geral
de João Pessoa. “Se há o nome do devedor, o valor e o fundamento da
cobrança o débito já é exigível. Isso já está superado nos tribunais
estaduais”.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN) tem opinião diferente. O órgão responsável por cobrar tributos
federais, como Imposto de Renda, PIS e Cofins, defende que o STJ afaste a
aplicação da súmula e enfrente a questão. Na maioria dos casos os fatos
e provas já constam dos autos, diz a procuradora Alexandra Carneiro. “O
STJ deve apenas analisar se os requisitos existentes e reconhecidos no
acórdão do tribunal regional federal são suficientes para reconhecer a
regularidade da CDA”, afirma a coordenadora da atuação da PGFN no STJ.
Advogados têm a mesma opinião já que,
segundo eles, a falta de informações nos títulos é comum, especialmente
por parte dos municípios. Na maioria das vezes, a forma de correção
monetária do débito não é informada. “Os tribunais também pecam nos
acórdãos e o STJ fecha os olhos com a aplicação da súmula. Isso acaba
produzindo injustiça”, diz Luiz Rogério Sawaya, sócio do Nunes &
Sawaya Advogados.
O tributarista Luiz Gustavo Bichara, do
escritório Bichara, Barata & Costa Advogados, cita precedentes do
Supremo Tribunal Federal e do próprio STJ no sentido de que a CDA deve
preencher todos os requisitos previstos na legislação. “O Supremo tem
orientação de que o contribuinte deve compreender a CDA para viabilizar o
direito de defesa. Ela não pode ser um truque”, diz Bichara.
Apesar de concordar, o advogado Daniel
Szelbracikowski acredita que o STJ tende a manter sua jurisprudência
para continuar não conhecendo recursos que questionam a validade das
CDA’s. “Uma decisão a favor da revisão teria repercussão muito grande”,
diz, acrescentando que outros títulos que têm requisitos também
definidos por lei poderiam ser questionados.