Luciane Medeiros O governo brasileiro, por meio da Receita Federal do Brasil (RFB), está implantando mais um avanço na informatização da relação entre o fisco e os contribuintes.
O Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), dividido em Escrituração Contábil Digital (Sped Contábil), Escrituração Fiscal Digital (Sped Fiscal) e Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), é uma iniciativa integrada das administrações tributárias federal, estadual e municipal que consiste na modernização da sistemática atual do cumprimento das obrigações acessórias transmitidas pelas empresas.
Na prática, os contribuintes deixarão de repassar informações aos fiscos nas diversas formas existentes hoje de obrigações acessórias em papel e adotarão os arquivos digitais on line. O Sped contábil substituirá os livros Diário e Razão, Diário Geral, Diário com Escrituração Resumida (vinculado ao livro auxiliar), Diário Auxiliar, Razão Auxiliar, Livro de Balancetes Diários e Balanços.
O Sped Fiscal reunirá as informações do ICMS, guias informativas anuais, livros de Escrita Fiscal, informações do IPI e outros. A primeira etapa do processo de implantação começa a valer já para algumas empresas. A partir do próximo ano, elas deverão entregar as informações referentes a 2008 no formato adaptado ao Sped Contábil. Essa fase inicial abrangerá grandes contribuintes, que foram comunicados pela Receita Federal em janeiro de 2008.
A estimativa é de que em torno de 500 empresas gaúchas estejam incluídas na primeira lista, segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz-RS). A entrega dos dados ocorrerá apenas em junho de 2009 e eles deverão atender às exigências da Receita, dentre as quais um número maior de informações e detalhes em relação ao que era enviado até então.
O Sped Fiscal terá validade a partir de janeiro próximo, com uma periodicidade mensal. Até o momento, a Receita Federal se definiu apenas pela escrituração do ICMS e IPI para os contribuintes desses tributos. Eventualmente, podem ser feitas alterações na obrigatoriedade. O novo formato é uma iniciativa inédita. Enquanto a NF-e foi inspirada no modelo do Chile, o Brasil sai na frente com o projeto, inexistente em outros países.
\”É uma evolução. Temos notícias de que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) está recomendando que outras nações iniciem esse tipo de controle digital\”, diz o sócio de Tributos da Deloitte Edirceu Rossi Werneck.
O integrante da Divisão de Tecnologia e Informações Fiscais (DTIF) da Sefaz Luis Fernando Faraco Dischinger lembra que, assim como ocorreu com a implantação da NF-e, a obrigatoriedade para o Sped será feita gradualmente. \”Para não sobrecarregar o sistema, será liberada aos poucos a relação dos contribuintes que deverão fazer a entrega dos dados pelo novo formato\”, explica.
Medida deve diminuir número de obrigações acessórias Uma das críticas recorrentes entre contribuintes e contadores é quanto ao elevado número de obrigações acessórias, que demanda muito trabalho. A expectativa é que a implantação dos Sped Fiscal e Contábil permita a redução dessas obrigações.
\”Esperamos que após alguns meses com transmissão de todos os dados sem erros seja possível dispensar uma série de dados ainda repassados no papel pelos contribuintes\”, diz o líder do projeto da NF-e no Estado, Vinícius Pimentel. Obrigação acessória significa despesa para as empresas.
Enquanto os custos podem ser revertidos no processo produtivo ou agregados nos valores de serviços ou bens, as despesas são gastos e não é possível recuperá-las. \”Um dos objetivos de todos os projetos que tratam da desmaterialização da informação é realmente a redução de despesas com obrigações acessórias\”, garante Pimentel. Para Edirceu Rossi Werneck, da Deloitte, o novo sistema permitirá outros ganhos para os contribuintes.
Conforme a arrecadação aumentar, em função das ferramentas mais eficientes empregadas pelos fiscos, será possível reduzir alíquotas e deixar de tributar produtos. \”Tivemos ações nesse sentido no caso da não-cumulatividade do PIS, com o fisco retirando a tributação de alguns produtos. Com a melhora da arrecadação, isso pode voltar a acontecer\”, diz. Sistema possibilita maior controle A implantação dos Sped Fiscal e Contábil trará vantagens não só para os fiscos como também para os contribuintes.
Do lado dos governos, o novo sistema permitirá um maior controle sobre as informações prestadas, que estarão todas reunidas em um único arquivo. Isso facilitará as verificações em caso de auditoria pela Receita, por exemplo, e auxiliará a detectar casos de lavagem de dinheiro e sonegação. \”Conforme os contribuintes entreguem as informações e o fisco cruze os dados contábeis e fiscais, será possível verificar e penalizar irregularidades\”, explica Edirceu Rossi Werneck, da Deloitte.
A implantação do projeto contou com a parceria não só de órgãos governamentais como também de empresas. A intenção dos contribuintes foi justamente combater os casos de sonegação e a concorrência desleal, prejudicial à saúde financeira de muitos. Muitas das definições foram feitas com base nas colocações apresentadas pelos contribuintes participantes da etapa de testes, permitindo não só acelerar a entrada em vigor como também facilitar. O trabalho construído conjuntamente tem sido um dos grandes responsáveis pela celeridade na implantação.
Além disso, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) constituiu uma comissão que está acompanhando o projeto Sped. Já do lado dos contribuintes, haverá a redução de custos com a dispensa de emissão e armazenamento de documentos em papel, racionalização e simplificação das obrigações acessórias e, conseqüentemente, menos tempo empregado em determinadas tarefas e uniformização das informações prestadas às diversas unidades federadas, entre outras. Em função disso,Werneck alerta para alguns cuidados a serem tomados pelas empresas.
\”A partir de agora, serão enviados todos os dados, o que requer muita atenção no preparo e verificação das informações disponibilizadas aos fiscos.\” O contador da equipe técnica da Fisconet Fernando Ricardo Lins Ventura considera que o maior controle por parte do Estado faz com que o sistema de informações acabe se tornando um \”big brother\” tributário, uma vez que o Fisco monitorará as operações dos contribuintes em tempo real, antes mesmo de as mercadorias chegarem ao seu destino.
Contadores devem orientar clientes sobre as mudanças O papel dos contadores na implantação do Sistema Público de Escrituração Digital será orientar seus clientes quanto às mudanças e à adaptação de tecnologia. \”As informações que até agora são enviadas ao Fisco por meio de declaração estarão no Sped e de posse da Receita, que passará a acompanhar mais de perto as operações\”, diz o conselheiro da Câmara Técnica do Conselho Federal de Contabilidade Luiz Balaminut.
Mesmo que os seus clientes não estejam obrigados a enviar os dados pelo Sped nessa etapa inicial, o profissional contábil deve acompanhar as notícias divulgadas pela Receita Federal para permitir as adequações necessárias quando a obrigatoriedade for ampliada. \”Não adianta esperar um mês para começar a entrega e só aí iniciar os procedimentos de equiparação nos sistemas.
O ideal é fazer com calma e não correr riscos de problemas\”, diz o integrante da Divisão de Tecnologia e Informações Fiscais (DTIF) da Sefaz Geraldo Scheibler. O processo de envio das informações do Sped Contábil envolve algumas etapas. Após preencher todos os dados no software com o novo formato exigido, será necessário submeter as informações ao Programa Validador e Assinador (PVA), disponibilizado gratuitamente pela Receita.
Será feita a assinatura digital do livro pelos responsáveis pela empresa, de acordo com os registros da Junta Comercial e pelo contador. Posteriormente, ocorrerá a geração e a assinatura de requerimento para autenticação dirigido à Junta Comercial da respectiva jurisdição. Até o dia 1 de julho, o Sped havia recebido 18 escriturações válidas de empresas sediadas no Rio Grande do Sul (15), em Minas Gerais (uma) e em Santa Catarina (duas). Apenas o arquivo de Minas Gerais foi autenticado pela Junta Comercial.
O primeiro livro autenticado foi o da Usiminas, uma das empresas do projeto-piloto. Foi estabelecido o prazo até 30 de setembro para que as demais juntas implantem o sistema de autenticação de livros digitais. Implantação requer esforço conjunto Ao contrário do que alguns empresários pensam, que a implantação do Sped é de responsabilidade de um setor específico da empresa – contabilidade ou financeiro, por exemplo – o ideal é que vários departamentos se envolvam no processo.
Conforme o sócio de Tributos da Deloitte Edirceu Rossi Werneck a nova realidade não diz respeito apenas a uma área da empresa, mas requer esforço conjunto, contando com a participação de vários profissionais para que os resultados obtidos sejam satisfatórios. Os contribuintes poderão optar por instalar os softwares necessários ou adquirir por meio de empresas terceirizadas. Para tanto, será preciso verificar qual a demanda necessária.
O contador e membro da equipe técnica da Fisconet Fernando Ricardo Lins Ventura ressalta que o principal cuidado deve levar em conta a contratação de bons profissionais de Tecnologia da Informação (TI). A implantação depende fundamentalmente do desenvolvimento de um sistema adequado ao porte e à atividade da empresa.
\”Empresas que utilizam sistemas integrados de informação terão menores dificuldades neste aspecto, uma vez que a implementação do Sped envolve praticamente todos os setores e processos da empresa, desde a expedição até a auditoria\”, diz.
Conforme o contador, embora o custo da implantação do Sped seja alto para alguns, a médio prazo ele se justifica pela economia que a empresa terá na diminuição dos custos com material impresso e seu armazenamento.
O empresário terá a oportunidade de controlar suas compras e vendas em tempo real, acompanhando os pedidos feitos e realizados e estabelecendo processos de relacionamento on line com clientes e fornecedores.