A prestação de serviços por profissionais liberais, como médicos, dentistas, fisioterapeutas e psicólogos, têm como principal ativo a capacidade intelectual do indivíduo, o que torna a atividade totalmente pessoal de acordo com a expertise do profissional.
Trata-se de profissões regulamentadas por entidades de classe, como conselhos regionais (CRM, CRO, Crefito, dentre outras), sendo que tais profissionais podem se reunir em sociedade para otimizar a prestação de serviços, sem perder o caráter personalíssimo da sua atividade.
Essas sociedades são denominadas de sociedades uniprofissionais (SUP), cujo objeto é a reunião de profissionais liberais do mesmo nicho para prestação de serviços em caráter personalíssimo.
Para fins tributários, alguns entes federativos disponibilizam Regime Especial de tributação para sociedades desta natureza, como no caso de municípios que concedem redução de alíquota de ISS, caso os profissionais estejam enquadrados em tal modalidade.
Dentro das considerações feitas, o exercício de atividades desenvolvidas por profissionais liberais, para fins de enquadramento como SUP, não se limitam apenas às de natureza consultiva, mas sim todas as demais que tenham como principal finalidade o exercício integral da profissão.
No caso de profissionais da área da saúde, as atividades não se limitam apenas as consultas clínicas, mas se estendem a exames laboratoriais, procedimentos cirúrgicos e demais provenientes da atividade como um todo, sendo equiparada inclusive a uma entidade hospitalar.
Ou seja, mesmo que os profissionais exerçam atividades multidisciplinares, se a natureza da sociedade houver caráter pessoal, ainda assim será considerada uma SUP, independente se estiver estruturada como sociedade simples ou limitada.
Feitas tais considerações a Lei 9.249/1995, trata de maneira específica a prestação de serviços de natureza hospitalar, quando o contribuinte for optante do lucro presumido, sendo reduzida a base de cálculo sobre a receita bruta da seguinte forma:
– Apuração de IRPJ – base de cálculo presumida com redução de 32% para 8%;
– Apuração da CSLL – base de cálculo presumida com redução de 32% para 12%.
Assim, temos que as SUPs no exercício de atividades médicas multidisciplinares, como exames laboratoriais, procedimentos cirúrgicos e demais provenientes do seu ramo, poderão realizar a segregação de tais atividades para equiparação a uma entidade hospitalar, e assim usufruir das bases de cálculos presumidas na incidência do IRPJ e CSLL.
No âmbito do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a jurisprudência é pacífica ao determinar que a expressão “serviços hospitalares”, previsto na Lei 9.249/95, deverá ser interpretado de acordo com as atividades específicas do contribuinte, não se atendo aos fatores inerentes a estrutura societária da sociedade, ou ainda, obrigatoriedade de registro perante órgãos competentes:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 535 e 468 DO CPC. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. LEI 9.249/95. IRPJ E CSLL COM BASE DE CÁLCULO REDUZIDA. DEFINIÇÃO DA EXPRESSÃO “SERVIÇOS HOSPITALARES”. INTERPRETAÇÃO OBJETIVA. DESNECESSIDADE DE ESTRUTURA DISPONIBILIZADA PARA INTERNAÇÃO. ENTENDIMENTO RECENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC. 1. Controvérsia envolvendo a forma de interpretação da expressão “serviços hospitalares” prevista na Lei 9.429/95, para fins de obtenção da redução de alíquota do IRPJ e da CSLL. Discute-se a possibilidade de, a despeito da generalidade da expressão contida na lei, poder-se restringir o benefício fiscal, incluindo no conceito de “serviços hospitalares” apenas aqueles estabelecimentos destinados ao atendimento global ao paciente, mediante internação e assistência médica integral. 2. Por ocasião do julgamento do RESP 951.251-PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, a 1ª Seção, modificando a orientação anterior, decidiu que, para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão “serviços hospitalares”, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Na mesma oportunidade, ficou consignado que os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício. Daí a conclusão de que “a dispensa da capacidade de internação hospitalar tem supedâneo diretamente na Lei 9.249/95, pelo que se mostra irrelevante para tal intento as disposições constantes em atos regulamentares”. 3. Assim, devem ser considerados serviços hospitalares “aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde”, de sorte que, “em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos”. 4. Ressalva de que as modificações introduzidas pela Lei 11.727/08 não se aplicam às demandas decididas anteriormente à sua vigência, bem como de que a redução de alíquota prevista na Lei 9.249/95 não se refere a toda a receita bruta da empresa contribuinte genericamente considerada, mas sim àquela parcela da receita proveniente unicamente da atividade específica sujeita ao benefício fiscal, desenvolvida pelo contribuinte, nos exatos termos do § 2º do artigo 15 da Lei 9.249/95. 5. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que a empresa recorrida presta serviços médicos laboratoriais (fl. 389), atividade diretamente ligada à promoção da saúde, que demanda maquinário específico, podendo ser realizada em ambientes hospitalares ou similares, não se assemelhando a simples consultas médicas, motivo pelo qual, segundo o novel entendimento desta Corte, faz jus ao benefício em discussão (incidência dos percentuais de 8% (oito por cento), no caso do IRPJ, e de 12% (doze por cento), no caso de CSLL, sobre a receita bruta auferida pela atividade específica de prestação de serviços médicos laboratoriais). 6. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 7. Recurso especial não provido.” (grifo do articulista). RECURSO ESPECIAL Nº 1.116.399 – BA (2009/0006481-0), min. Benedito Gonçalves.
Já no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, do estado de São Paulo, a jurisprudência segue a mesma linha de entendimento do STJ, a qual a interpretação da norma deverá se ater ao exercício de fato das atividades desenvolvidas pela SUP, para fins de aplicação das bases de cálculos presumidas em porcentual reduzidos:
“E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IRPJ E CSLL. EXECUÇÃO FISCAL. SERVIÇOS HOSPITALARES. ALIQUOTA 8% E 12%. POSSIBILIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. – No tocante ao recolhimento do IRPJ e CSLL com base nos percentuais de 8% e 12%, respectivamente, sobre a receita bruta, nos serviços prestados tipicamente hospitalares, aplicam-se o disposto nos art. 15, § 1º, III, a e 20 da Lei 9.249/95 – No julgamento do REsp 1.116.399/BA, sob a sistemática do art. 543-C, do Código de Processo Civil de 1973, o STJ consolidou o entendimento de que, para fins de pagamento do IRPJ sob o regime do lucro presumido com a base de cálculo limitada a 8% do faturamento mensal, a expressão “serviços hospitalares”, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva, uma vez que a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Nesse sentido, o STJ adotou a orientação de que estão excluídas do alcance da expressão “serviços hospitalares” apenas as simples consultas médicas, não sendo relevante a questão da existência, ou não, de capacidade para internação de pacientes ou de estrutura hospitalar. – O E. STJ reconheceu a ilegalidade das Instruções Normativas editadas pela Receita Federal com o objetivo de interpretar a expressão ‘serviços hospitalares’ (IN nº 306/03 da SRF, IN nº 480/04 da SRF e IN nº 539/05 da SRF), pois não seria dado ao Fisco instituir, através de regulamentos, exigências não contidas em lei: REsp 1116399/BA, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 24/02/2010 – Conforme jurisprudência a expressão “serviços hospitalares” ganhou contornos que alcançam clínicas e demais atividades correlatas a hospitais, ainda que essas entidades não ofereçam leitos, abrangendo as atividades típicas de prestação de serviços de apoio diagnóstico por imagem e laboratório de análises clínicas – Outrossim, a Lei nº 11.727/2008 ampliou as atividades previstas no art. 15, § 1º, III, ‘a’ da Lei nº 9.249/95 – Do exposto, depreende-se que cabe ao contribuinte, que objetiva ter reconhecido seu enquadramento na situação abrangida pelo art. 15, § 1º, inciso III, alínea a, da Lei nº 9.249/95, demonstrar que os serviços oferecidos no exercício de sua atividade não se limitam a simples consultas médicas, o que, em alguns casos, pode ser aferido a partir do simples exame do respectivo objeto social (como, por exemplo, no caso de clínicas especializadas em exames laboratoriais ou de imagem). Em outros casos, porém, depende da produção de prova quanto aos serviços efetivamente ofertados/prestados – A agravante se inclui, conforme jurisprudência destacada, na categoria de serviços hospitalares, para efeito do gozo do direito à redução de alíquota do IRPJ/CSLL (IDs nºs 13796991 e 13797026 dos autos principais) – Da análise do Contrato Social (ID nº 15960177 dos autos principais), verifica-se que: “A Sociedade altera sua atividade social de prestação de serviços médicos na área de dermatologia para atividade de clínica médica especializada em dermatologia e nutrição, com recursos para realização de procedimentos cirúrgicos, exames complementares e atividade de clínica médica ambulatorial restrita a consultas .”. – Além disso, consta do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (ID nº 15960179 dos autos principais, atividade principal: “Atividade médica ambulatorial restrita a consultas” e atividades secundárias: “Atividade médica ambulatorial com recursos para realização de procedimentos cirúrgicos”e “Atividade médica ambulatorial com recursos para realização de exames complementares” – Destaque-se, por fim, que a redução de alíquota prevista na Lei nº 9.249/95 não se refere a toda a receita bruta da empresa contribuinte genericamente considerada, mas apenas à parcela da receita proveniente apenas da atividade específica sujeita ao benefício fiscal, desenvolvida pelo contribuinte, nos termos do § 2º do artigo 15 da Lei nº 9.249/95, motivo pelo qual devem ser excluídas as consultas médicas da benesse fiscal – Agravo de instrumento provido.” (TRF-3 – AI: 50098787220194030000 SP, Relator: Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, Data de Julgamento: 19/10/2020, 4ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 23/10/2020) (grifo do articulista).
Já no âmbito do Carf, a jurisprudência vem no mesmo sentido ao entender que independente da estrutura societária da SUP, caso realizada atividade que se enquadre nos requisitos legais fará jus ao benefício:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Exercício: 2010, 2011, 2012 AUTO DE INFRAÇÃO. LUCRO PRESUMIDO. COEFICIENTE REDUZIDO DE PRESUNÇÃO. ATIVIDADE HOSPITALAR. SOCIEDADE SIMPLES. A formalização da pessoa jurídica como sociedade simples não afasta, por si só, a sua natureza de sociedade empresária, quando os elementos constantes dos autos demonstram que a contribuinte exerce atividade econômica organizada, conforme requisito legal do Art. 15, §1′, III, alínea “a, da Lei n’ 9.249/95. Processo: 10840.720687/2014-79 – 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais.” (grifo do articulista)
Tão logo, a jurisprudência sobre o tema traz segurança jurídica a SUP optante do lucro presumido, para usufruir do benefício disposto na legislação, e assim obter redução da carga tributária sobre a receita auferida sobre serviços de natureza médico/hospitalar.
Com base no enquadramento acima, a SUP poderá não só obter a redução significativa na carga tributária, como também o Direito em ressarcir os tributos recolhidos a maior nos últimos 5 anos.
O Código Tributário Nacional define expressamente que o contribuinte tem o direito de restituir ou compensar, tributo pago indevidamente ou a maior, com base em entendimento da legislação tributária aplicável, observado o prazo prescricional.
No âmbito do processo administrativo federal, o artigo 74, da Lei 9.430/96 dispõe que:
“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.”
Portanto, a sociedade uniprofissional que se enquadre na situação acima exposta, poderá requerer a restituição ou compensação dos valores recolhidos a maior à título de IRPJ/CSLL nos últimos cinco anos.
O pedido de compensação ou restituição deverá ser realizado pelo sistema Perdcom/WEB da Receita Federal, após realizada auditoria fiscal por parte do contribuinte organizado como SUP, com a aplicação das bases de cálculo reduzidas na apuração do IRPJ/CSLL.
Realizado o ato, a Autoridade Fiscal tem cinco anos para analisar a Declaração de Compensação nos termos da IN RFB nº 2.055/2021, prazo em que poderá “(i) homologá-la expressamente, (ii) permanecer silente, o que ensejará a homologação tácita da compensação, (iii) indeferir a compensação ou (iv) considerar a compensação como ‘não declarada’.”
É notório que o sistema tributário atual é burocrático, custoso, e encarece demasiadamente a atividade empresarial, principalmente para profissionais liberais que dependem exclusivamente do seu intelecto e expertise profissional.
Assim, a interpretação da norma jurídica deverá se ater especificamente ao real exercício de atividade desenvolvida, para assim enquadrar de forma correta o regime para apuração de tributos, sempre assessorado por profissionais técnicos da área contábil/tributária.
Com isso, o profissional exercerá sua atividade profissional de forma otimizada, segura e consequentemente, com redução da carga tributária, o que certamente trará melhor fluxo de caixa e maximização da sua margem de lucro.
Assim, a clínica médica que exerça atividades de natureza hospitalar e multidisciplinar, certamente tem o Direito de usufruir do tratamento tributário específico para área, de acordo não só com a legislação, como também a jurisprudência pacífica sobre o assunto.
Fonte: Conjur