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18 de abril de 2024Já se pode afirmar que a arbitragem e autocomposição no setor público é uma realidade consolidada e em crescimento com o regramento positivado pela Lei 9.307/1996 e cuja atuação na esfera público-privada restou ratificada pelas Leis 13.129 e 13.140, ambas de 2015. Isso não quer dizer que não existam discussões sobre o tema, devendo-se sempre se atentar aos detalhes para manter a segurança jurídica na condução destes procedimentos quando inseridos no ambiente público-privado.
Exemplo dos cuidados a serem tomados pode ser visto na recente revisão pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) da Resolução nº 5.845, de 2019, que trata das regras e procedimentos para autocomposição e arbitragem no âmbito da referida Agência. E isso porque a análise cuidadosa do processo de alteração da norma parece indicar que a ANTT decidiu por revisitar a sua regulação em função de recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU).
Não se deseja discutir aqui a pertinência ou juridicidade da atuação do TCU no controle da atuação arbitral ou de autocomposição nas agências reguladoras federais. O que se pretende aludir são ações e boas práticas com o intuito de conferir maior segurança jurídica ao processo arbitral envolvendo setor público e privado.
Especificamente no caso da ANTT, a discussão teve origem nos Acórdãos nº 4.036/2020 e 4.037/2020, ambos do Plenário do TCU, que determinaram alterações em modelagens de concessão rodoviária, ao passo que também recomendaram à Agência que revisasse seu normativo de arbitragem e autocomposição especificamente para lidar com as discussões de publicidade e arbitrabilidade de pleitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.
No que tange à publicidade dos atos relacionados à autocomposição de conflitos, o TCU buscou permitir que os procedimentos de autocomposição sejam informados ao público geral. A ANTT se manifestou no sentido de que se deve aplicar na Administração Pública uma publicidade mitigada, na qual nem toda informação precisa ser publicizada. Como resultado, a Agência revogou dispositivo de sua regulação que impunha sigilo ao processo de mediação, desde o protocolo do pedido, mas reconheceu, dentro dos documentos do processo de alteração normativa, a obrigação de sigilo dos atos praticados para autocomposição até que haja decisão definitiva do acordo. A partir da decisão definitiva, seria preciso analisar cada caso para verificar a existência de hipóteses de sigilo sobre determinados documentos (segredo industrial etc.). É dizer, a postura da agência não significou que as condições da mediação devessem ser integralmente publicizadas, mas sim que deve haver anúncio de que os processos estariam em curso.
De outra banda, também se alterou o normativo naquilo que se refere a publicidade dos atos das arbitragens, reduzindo a publicidade outrora conferida aos processos da Agência para observar estritamente as orientações do TCU no âmbito do Acórdão nº 3160/2020 — Plenário, as quais determinam a necessidade de haver publicidade sobre a existência da arbitragem, com identificação das partes e objeto do litígio, bem como os principais atos do processo, notadamente a convenção arbitral, o termo arbitral e a íntegra da sentença arbitral (para além, claro, a divulgação com as despesas do procedimento permitindo accountability do orçamento estatal). A justificativa utilizada foi atender aos deveres de sigilo da LGPD e da Lei de Acesso à Informação. Ou seja, valeu-se da oportunidade para mitigar a publicidade, hoje presente na resolução, privilegiando-se o sigilo de informações sensíveis para concorrência entre as empresas envolvidas.
No campo da arbitrabilidade o TCU havia solicitado os contratos e o regramento da ANTT ficassem restritos a noção de controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis prevista na Lei nº 13.448/2017, no Decreto nº 10.025/2019 e no artigo 1º da Lei nº 9.307/1996.
Na ANTT, a discussão ganhou corpo para entender se o rol de hipóteses de direitos patrimoniais disponíveis da legislação seria taxativo ou exemplificativo, sobretudo para permitir a manutenção de previsão no sentido de que litígios envolvendo a obrigação de garantias contratuais pudessem ser submetidos à arbitragem. O Voto do Diretor Davi Ferreira Barreto foi claro em reconhecer o entendimento da Procuradoria da Agência, segundo o qual a legislação teria positivado tão somente exemplos de assuntos que podem compor direitos patrimoniais disponíveis sujeitos a arbitragem com o Poder Público. Não por outro motivo, a legislação previu inadimplementos contratuais seriam objeto de arbitragem, não só para debater a incidência de penalidades e o seu cálculo, como também questões de indenização por serviços prestados, investimentos realizados e não amortizados e discussões de reequilíbrio econômico-financeiro.
O rol de direitos patrimoniais disponíveis previstos pela legislação é aberto e não abarca todas as hipóteses que possam vir a ser identificadas no âmbito arbitral do setor público. Isso é saudável, pois é impossível prever em lei todas as situações futuras.
As discussões acima são ótimos exemplos de como cada vez mais é preciso tomar cuidado na modelagem de regras arbitrais e de autocomposição dentro do Direito Público, assim como é necessário ter atenção aos detalhes para conduzir com segurança os processos de solução de litígios. As formas alternativas de solução de controvérsias vieram para auxiliar no trato público-privado, mas se faz preciso ficar alerta para o fato de que, neste terreno, o \”diabo mora nos detalhes\”.