A quatro semanas do encerramento dos trabalhos no Congresso, são reduzidas as chances de que projetos importantes, como a regulamentação dos direitos das domésticas, virem lei. Propostas com impacto na vida do cidadão ficarão para 2014, engavetadas por jogos de interesses, burocracia e o vaivém de prioridades dos parlamentares.
Deputados e senadores admitem dificuldade em aprovar novos projetos. As energias estão dedicadas à definição do destino das emendas parlamentares e à liberação daquelas que ainda não foram pagas. As próximas semanas também vão concentrar a votação de orçamento, o andamento do processo de cassação de José Genoino (PT-SP) e o longo debate sobre o fim do voto secreto.
— A maior expectativa é o fim do voto secreto, mas toda semana a votação é adiada por um motivo diferente. Não vejo vontade política — critica o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).
A mesma falta de vontade atinge outras propostas, como a que muda a correção das dívidas dos Estados. A troca contínua de prioridades também atrapalha. O projeto que atualiza a legislação de prevenção e combate a incêndios, a Lei Kiss, é um exemplo de pauta deixada de lado.
Após o incêndio, em janeiro, deputados e senadores demonstraram consternação, defenderam novas regras de fiscalização e segurança em casas noturnas. Uma comissão na Câmara elaborou as normas, que, há cinco meses, aguardam a votação.
— O projeto teve mais de 10 chances de ser votado — lamenta o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que liderou a comissão responsável pela nova lei.
O petista tenta ser otimista, mas a pauta está trancada há quase um mês pelo marco civil da internet, outro tema que, após o escândalo de espionagem, ganhou carimbo de prioritário. Atualmente, tem servido de escudo para barrar as demais votações.
— A obstrução é do próprio governo, que orienta sua bancada a não votar o marco civil. É um desserviço — critica Beto Albuquerque (RS), líder da bancada do PSB na Câmara.
Para Renan Calheiros, renegociação
da dívida pode ser votada
Apesar de o governo de Dilma Rousseff ter desistido de apoiar a aprovação da renegociação das dívidas de Estados e municípios com a União, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ainda aposta na apreciação da matéria.
Na semana passada, ele afirmou que o projeto, que beneficia o Rio Grande do Sul, deve ser votado pelo Congresso ainda neste ano.
— Essa regra, esse indexador (das dívidas) é uma coisa que pune os Estados, sobretudo os mais pobres — disse o senador.
A proposta tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Renan disse não ter recebido pedido do governo para que o Congresso não vote o texto que troca o indexador usado para corrigir pagamentos de dívidas.
Na semana passada, o Planalto deu sinais de que a proposta não está mais no foco. Preocupada com as críticas à política fiscal, a presidente teria desistido de avalizar a mudança no indexador.
Segundo o governo, o projeto deixou de ser “prioritário” por estimular gastos em um momento em que o Planalto quer mostrar compromisso com a austeridade. Isso porque Estados e municípios beneficiados ganhariam fôlego para fazer novos empréstimos.
Seis propostas estão estacionadas no Congresso
SEGURANÇA
A Lei Kiss atualiza a legislação de prevenção e combate a incêndios em casas noturnas e outros ambientes com grande concentração de pessoas. Prevê, entre outras coisas, a criminalização da superlotação, o fim das comandas e a obrigatoriedade de seguros.
Situação
Passada a tragédia de Santa Maria, a Câmara criou uma comissão para discutir a legislação. Aprovado na comissão, o texto aguarda há cinco meses para ser votado no plenário.
Futuro
A votação na Câmara deve ficar para 2014. Depois, o projeto vai para o Senado.
INTERNET
Espécie de Constituição da web no Brasil, o marco civil da internet aborda questões do dia a dia do internauta, como liberdade de expressão, pirataria, neutralidade da rede e privacidade. O texto servirá de base para outras leis que tratem de assuntos digitais. Situação
É discutido há dois anos na Câmara, tramita em regime de urgência e tranca a pauta da Casa há quase um mês. O governo aproveita para barrar a votação de outros projetos.
Futuro
Tem chances de ser votado nas próximas semanas, mas ainda irá para o Senado.
DOMÉSTICAS
Aprovada em março e promulgada em abril, a PEC das domésticas ainda tem pontos pendentes de regulamentação, como FGTS e seguro desemprego — o que causa incerteza entre funcionários e patrões. Já a carga de oito horas diárias de trabalho está valendo.
Situação
A regulamentação dos direitos das domésticas já foi aprovada pelos senadores e seguiu para a Câmara, onde é discutida em comissões, sem previsão de votação em plenário.
Futuro
Os novos direitos só passarão a valer em 2014, depois da votação na Câmara.
DROGAS
A Lei Antidrogas permite a internação involuntária de usuários a pedido da família e de agentes públicos. O texto também prevê o aumento da pena para o tráfico e isenção fiscal às empresas que contratarem dependentes químicos em recuperação.
Situação
Aprovada em maio pela Câmara, a nova lei é discutida na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que pretende votá-la antes do recesso. Seguirá para outras comissões.
Futuro
Fica para 2014, já que precisa passar por comissões antes de ir a plenário no Senado.
FINANÇAS
O projeto reduz juros e altera o índice de correção das dívidas dos Estados. É considerado vital para unidades da federação com crise financeira estrutural, como o RS. A renegociação significará o fim do crescimento desenfreado da dívida e resultará diminuição de desembolsos a longo prazo.
Situação
Foi aprovado em outubro na Câmara e seguiu para o Senado, onde está parado a pedido do governo, preocupado que mudanças no texto comprometam o equilíbrio fiscal.
Futuro
Tem chances de ser votado nas próximas semanas. Se for aprovado, vai à sanção.
JUSTIÇA
O projeto atualiza as regras para os processos não penais, como ações trabalhistas, direito da família e do consumidor. O atual Código de Processo Civil é de 1973. O texto incentiva a conciliação e pretende agilizar a tramitação dos processos, com decisões conjuntas para casos similares.
Situação
Elaborado por uma comissão de juristas, o texto foi aprovado em 2010 pelo Senado. Teve parte votada na Câmara, mas ainda tem pontos que precisam ser apreciados.
Futuro
Tem chance de ter a votação concluída até o final do ano. Terá de voltar ao Senado para revisão.