Aproxima-se o fim do prazo para os poupadores entrarem com pedido de recuperação do dinheiro perdido há 20 anos com o Plano Verão. Decretado pelo governo Sarney em 15 de janeiro de 1989, o plano estabeleceu que a poupança passaria a ser corrigida pela variação da Letra Financeira do Tesouro Nacional (LFTN), e não mais pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC).
Os poupadores se viram então com um prejuízo de 20,46% (diferença entre o IPC e a LFTN), porque os bancos aplicaram o novo índice nas contas abertas ou renovadas antes do decreto. Agora, mesmo que a conta tenha sido encerrada em 16 de fevereiro de 1989, a diferença, atualizada, deverá ser paga. Os tribunais têm dado razão aos poupadores.
Mas os bancos reagem. Alegam que atuaram como intermediários, que nos empréstimos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) também perderam a correção e que a avalanche de processos sobre planos econômicos vai desfalcá-los em até R$ 120 bilhões e abalar o sistema financeiro nacional. Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) ameaça: \”Caso as ações continuem a prosperar no Judiciário, esse passivo terá de ser assumido pelo Estado, com custos para toda a sociedade\”.
Na batalha entre pagar e não pagar, crescem as apreensões diante da proximidade do fim do prazo prescricional de 20 anos para reclamar. A lógica indica que será em 15 de janeiro de 2009. Mas há quem diga que é antes e quem diz que é depois.
Para não entrar do debate dos aspectos doutrinários da prescrição, Marcos Diegues, gerente jurídico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), que já recuperou R$ 22 milhões do Plano Verão para seus associados, recomenda que os interessados se apresentem até o dia 19, já que \”o recesso forense começa em 20 de dezembro e vai até 20 de janeiro.\”
O advogado Romualdo Wilson Cançado, autor, em parceria com Orlei Claro de Lima, do livro Juros, Correção Monetária, Danos Financeiros Irreparáveis, recorda que as contas de poupança são contratos de 30 dias renovados automaticamente. \”As que seriam remuneradas de 1º a 15 (inclusive) de fevereiro de 1989 tinham de ser corrigidas pelo indexador vigente no início do período remuneratório, mas os bancos mudaram as regras do jogo durante a partida, de forma unilateral, quebrando o direito adquirido num ato jurídico perfeito\”, observa.
A Febraban alega, porém, que não existe direito adquirido no caso e pretende levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Se esse recurso for atendido, mesmo liminarmente, todas as ações serão suspensas por prazo indeterminado até a decisão definitiva do STF.
Romualdo Cançado tem 75 anos e demanda contra o Plano Verão desde março de 1989. Ele qualifica de risível a alegação dos bancos, de que tiveram prejuízos com mutuários do SFH. Com ele concorda Roberto Luis Troster, que foi o economista-chefe da Febraban por mais de cinco anos. Troster apurou que o saldo total da poupança em 31 de janeiro de 1989 era de NCz$ 36,1 bilhões. Na hipótese de todos os poupadores de 1989 reclamarem, o valor devido soma, NCz$ 3,58 bilhões, ou 9,9% do total de depósitos.
Porém, apenas 10% dos poupadores recorreram à Justiça, conforme dados da própria Febraban. Além disso, Troster revela que os bancos repassaram ao SFH somente 35,17% do dinheiro captado na poupança. O restante foi para outras aplicações, como títulos públicos ou interbancários (CDI), com rentabilidade maior.
O economista descobriu que só em 1989 a aplicação em CDI rendeu mais para os bancos do que a diferença entre o IPC e a LFTN questionada nos tribunais. Ele atualizou ainda o valor devido pelos bancos: R$ 29 bilhões (se todos os poupadores entrassem com ações). \”Fica claro que o mesmo valor aplicado pelos bancos em CDI rendeu, no período, R$ 228 bilhões; um ganho pelo menos 7,8 vezes maior do que a dívida com os poupadores.\” Esse montante supera o total de ativos do Unibanco (R$ 178.5 bilhões), recém-incorporado pelo Itaú, e do Bradesco (R$ 220,8 bilhões), terceiro maior banco do País.