O adiamento de despesas a que o Tesouro Nacional vem recorrendo para melhorar o resultado das contas públicas no curto prazo está produzindo um fenômeno raro: as principais despesas do governo estão desacelerando, em termos reais, apesar de não estar em curso nenhum programa de contenção de gastos. É o que mostra levantamento feito pelo economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero.
Ironicamente, ele classifica de “surpreendente” o fato de os cinco principais grupos de dispêndios, que respondem por 71% das despesas, estarem com taxas de expansão muito abaixo de anos anteriores. Os números mostram uma clara freada nos principais itens de despesa.
Os gastos com abono e seguro-desemprego, por exemplo, que vinham crescendo a uma taxa superior a 7% a cada ano, aumentaram 3,8% no primeiro semestre de 2014. Montero diz que a explicação para essa queda é “desafiadora”. Mas técnicos do próprio governo denunciam, já há algum tempo, que o Tesouro vem atrasando os repasses para o pagamento desse e outros benefícios.
Da mesma forma, a expansão dos pagamentos de benefícios previdenciários, que vinha sendo maior do que 6% anuais, ficou em 0,8% nos primeiros seis meses de 2014. É certo que o governo decidiu adiar para o fim do ano o pagamento de um conjunto de precatórios judiciais e, dessa forma, reduziu um pouco os gastos com esse item. Mas isso, sozinho, não explica a desaceleração, diz Montero. Já há algum tempo o economista vem alertando que a evolução dos gastos da Previdência é incompatível com o crescimento do número de beneficiados e o valor de aposentadorias e pensões.
Desde que o jornal O Estado de S. Paulo informou, em julho, que o Banco Central havia encontrado um crédito de R$ 4 bilhões em uma conta paralela mantida por um grande banco privado, especialistas passaram a apontar um adiamento, ou “pedalada”, dos gastos previdenciários como explicação para o dinheiro “misterioso”. Nenhum deles ficaria surpreso se surgissem outros créditos do tipo.
Essa suspeita foi praticamente confirmada por uma informação do próprio governo publicada na quinta-feira, 21: o BC informou que estuda incorporar às suas estatísticas os créditos carregados por bancos públicos e privados em operações financiadas pelo Tesouro Nacional.
Subsídios
O levantamento de Montero mostra, ainda, que a conta de subsídios e subvenções econômicas teve queda de 24,7% na comparação com o primeiro semestre de 2013. Elas já vinham se retraindo desde o ano passado, quando ficaram 15% menores do que em 2012. Isso, apesar de o governo haver prosseguido com as operações de crédito subsidiadas, como o Minha Casa Minha Vida e o Programa de Sustentação do Investimento (PSI).
Para especialistas em contas públicas, a conta de subsídios não pagos é a principal “surpresa” que a presidente Dilma deixará como legado na administração das finanças públicas.
Montero ressalva que essas operações que resultam no adiamento das despesas são devidamente amparadas pelos regulamentos do governo. “Mas é interessante ler que o BC, após a intensificação dessas operações, estaria avaliando incluí-las em suas estatísticas”, comentou. “Não é um ajuste fiscal, é apenas uma deturpação da aparência das contas fiscais.”