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18 de abril de 2024Mesmo parada há mais de dois anos, a duplicação de uma rodovia no Rio Grande do Sul gera gasto anual de mais de R$ 5 milhões ao governo estadual. O valor é destinado para o pagamento de aluguel social às famílias removidas das margens da ERS-118, na Região Metropolitana de Porto Alegre.
A obra foi anunciada em 1996 e já atravessou seis governos. Já parou por falta de pagamento às construtoras, problemas na remoção de moradores, e mudanças no projeto.
A rodovia passa por quatro cidades (Sapucaia do Sul, Esteio, Gravataí e Cachoeirinha) e liga BR-116 e BR-290 (freeway), consideradas importantes rodovias para o transporte de cargas. O trecho em obras tem 22 quilômetros e, quando estiver pronto, vai desafogar o trânsito na Região Metropolitana. Ao todo, 35 mil veículos passam pela via todos os dias.
Dados obtidos pelo G1 via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, em 2016, o governo desembolsou R$ 5.055.996,21 com o pagamento do benefício para 848 famílias. O recurso é 4,3% menor em relação a 2015, quando se gastou R$ 5.283.866,69 para 928 famílias.
Conforme a Secretaria Estadual de Obras, Saneamento e Habitação, cada família recebe até R$ 500 de benefício.
A dona de casa Eva Letícia de Abreu, de 35 anos, é uma delas. Deixou as margens da rodovia há quatro anos, junto com os quatro filhos e o marido, com a promessa de ganhar o aluguel social até a hora de se mudar para a casa própria.
\”O aluguel social era de um ano e depois eles iriam dar nossas casas. Mas já faz quatro anos que nós estamos no aluguel social e nada de casa.\”
Eva também reclama da demora no pagamento desde 2016. \”No ano passado aconteceram atrasos e agora esse ano eu já estou há três meses com atraso do aluguel social.\”
Segundo a dona de casa, o proprietário do imóvel alugado é compreensível com a situação. \”Está difícil. Eu arrumei um proprietário bom que ele está segurando, faz três meses que eu devo aluguel para ele\”, explica. \”Ele está segurando não por causa da gente, mas por causa das crianças.\”
Em meio aos atrasos, a família se desdobra para quitar as contas. \”Meu marido ganha um salário mínimo, daí nós pagamos aluguel, a conta de água e luz, pagamos mais umas contas e acabou o dinheiro\”, acrescenta Eva.
\”O meu sentimento é de humilhação por eu não ter uma casa, condições dignas para dar para meus filhos. Me sinto humilhada. Pior do que um lixo.\”
Hoje Eva mora com a família há quase dois quilômetros de onde foi sua casa há 30 anos. Apesar da distância, ela não se cansa de refazer o caminho e protestar contra os atrasos do benefício às margens da ERS-118, junto com outras famílias que foram removidas do local.
O grupo fecha a rodovia, levanta cartazes e pede agilidade no pagamento do benefício. A dona de casa vai à manifestação acompanhada dos filhos e da irmã Venícia Iracema de Abreu, de 38 anos, que também deixou a casa próxima da rodovia em troca do aluguel social.
Venícia conta que o proprietário da casa alugada por ela pediu que desocupasse a residência após dois meses de atraso. Entretanto, ele voltou atrás após ver a situação da família. \”Mostrei minha papelada, meus documentos. Ai ele viu minha casa, minha geladeira, meus armários, entendeu a situação, deu até o material da escola para meus filhos para me ajudar.\”
Ela trabalha como faxineira e relata que situação está cada vez mais difícil com o passar dos meses. \”Não tem mais vida.\”
O pedreiro João Luiz do Nascimento é outro que deixou as margens da ERS-118 em troca do aluguel social para, futuramente, receber uma casa própria. Vivia no local há 25 anos, e ainda hoje se lembra de quando sua casa foi demolida para a duplicação. \”Quando a gente já estava terminando de se mudar, já pegavam a máquina e derrubavam as casas. Dava uma tristeza de ver.\”
A antiga moradia, segundo ele, não ficava no caminho da ERS-118, mas ficaria em uma área de risco e precisava ser demolida. \”Eu tinha cinco quartos na minha casa, sala, cozinha, banheiro, tudo bem organizado\”, lembra. Ele saiu do local com a promessa de uma casa nova em um ano, que ainda não veio. Há três meses, registra demora no pagamento do aluguel social.
Como ele é o único que trabalha na família, o atraso no benefício é quase como uma ferida no orçamento. Com seu salário, precisa sustentar oito pessoas. \”Eu tenho minhas netas, minha família, casa, tudo para pagar. Eu tenho que cavoucar para tirar do bolso as vezes para pagar o aluguel.\”
Por isso, o pedreiro concentra sua indignação nos protestos que, segundo ele, servem para alertar o governo estadual sobre a situação. \”A gente fecha as margens da ERS-118 para botar uma prensa neles, para eles verem que não estamos de brincadeira, que a gente está enraivado. No momento que eles pagarem todo o aluguel, a gente vai parar de protesto na ERS-118.\”
Famílias ainda não foram retiradas para obra
Enquanto algumas famílias já foram removidas das margens da ERS-118, outras ainda permanecem no local. É o caso da aposentada Terezinha Klaus, de 65 anos, que mora em Sapucaia do Sul. Ela conta que foi uma das primeiras a se fixar na área, há mais de 30 anos.
\”Eu fui a primeira a construir casa aqui na faixa. Era tudo mato\”, observa a aposentada.
A idosa conta que, apesar da pressão do governo, se negou a deixar a área para a obra de duplicação. \”Eu estou aqui há 30 anos e não vou sair. Só quando me derem uma chave para morar na minha casinha. Me dá uma casinha para morar que eu saio\”, observa.
\”[Para] aluguel eu não vou, porque depois eles não pagam, eu vou pagar com o quê? Não tenho. Se fosse pelo aluguel social hoje eu estava na rua\”, salienta. \”Todo mundo dizia para eu não sair, para eu ficar. Agora eles estão dizendo. \’Ah! Ainda bem que tu não saiu, porque nós não estamos recebendo o aluguel social.\’\”
Para Terezinha, o barulho vindo do movimento de veículos na rodovia nunca foi um incômodo para ela. \”Eu amo morar aqui. Criei meus oito filhos aqui.\”
O aposentado Sérgio Soares, 57 anos, mora a duas casas de distância de Terezinha. E diferente da vizinha, considera o ruído da rodovia como \”doloroso\”. \”Tu dorme e depois de um tempo dá uns pulos. Se entra um caminhão aqui, um carro aqui, mata todo mundo.\”
Há quatro anos, viu os vizinhos – a maioria familiares – sair do lugar. Por falta de dinheiro para pagar um caução para alugar uma casa, não tomou o mesmo rumo. \”Eu quero sair daqui, mas não consigo. Aqui é uma área perigosa. E eu não tenho como sair.\”
Até fim do ano, 330 famílias devem receber casas
O governo estadual pretende levar as famílias beneficiadas com o aluguel social para conjuntos habitacionais. Conforme levantamento de 2016 da Secretaria de Obras, Saneamento e Habitação, são 848 famílias – 666 de Sapucaia do Sul, 142 de Gravataí e 40 de Cachoeirinha.
Dois residenciais já estão sendo construídos e, segundo o governo, 330 famílias devem se mudar até o fim do ano. Em Gravataí, devem ir para o Residencial Breno Garcia 150 famílias. Já em Sapucaia do Sul irão 180 famílias para o habitacional Morada das Colinas.
Há outros dois projetos para construção de moradias: em Sapucaia do Sul e em Cachoeirinha. Sobre Sapucaia do Sul, a intenção é concluir o básico deste empreendimento até o segundo semestre deste ano para depois buscar recursos com a Caixa Econômica Federal (CEF), segundo a Secretaria de Obras, Saneamento e Habitação.
Em relação ao empreendimento de Cachoeirinha, o governo estadual diz que ainda não há projeto para a construção de moradias para 40 famílias.
Sobre as famílias que precisam ser retiradas das margens da ERS-118, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) explicou que o governo estadual está realizando um levantamento para atualizar o número de famílias que precisam ser removidas. Não há prazo para conclusão do relatório.
Questionada sobre redução do número de beneficiários entre 2014 e 2016, a Secretaria de Obras e Habitação disse que se deve a problemas na documentação, falsificação de documentos e até morte de beneficiário.
A continuidade das obras de duplicação depende de uma nova licitação, que deveria ter saído em fevereiro, foi adiada para março, e agora não há mais certeza. O Daer informou que não houve interessados em processo realizado no dia 17 de março deste ano. Por isso, o projeto voltou para o departamento para ajustes.
Segundo o Daer, o projeto passará para a definição de orçamento e, então, será reencaminhado para a Central de Licitação (Celic) para ser novamente licitado. Entretanto, ainda não há data para isso.
Na segunda-feira (24), algumas famílias beneficiadas com o aluguel social relataram que o atraso no benefício persistia. Outras tiveram o valor pago. A Secretaria de Obras, Saneamento e Habitação reconheceu o atraso no pagamento para parte das famílias beneficiadas com o aluguel social. Entretanto, o órgão esclareceu que no dia 5 de abril foram pagos R$ 211 mil, e na próxima semana deve feito o depósito para mais famílias.
A secretaria informou ainda que o atraso pode estar relacionado com a demora na entrega nos recibos de pagamento das casas alugadas pelas famílias. O órgão informou que adota duas datas para os depósitos, no caso de famílias que não conseguiram entregar a documentação até o final do mês.
Além disso, a secretaria esclareceu que no final de março recebeu um documento das famílias que apontou que 28 delas estavam com o benefício atrasado. Técnicos da secretaria foram verificar a situação e descobriram que três estavam com atraso de dois meses, nove de um mês, e 16 estavam com o pagamento em dia. A secretaria não apresentou nesta segunda-feira a situação atualizada.
A Secretaria de Transportes informou que dois dos três contratos antigos foram rescindidos em 2016 e, por isso, as obras pararam dos km 0 a 5, e dos 11 e 21. O terceiro contrato, com a empresa Sultepa, passou por uma readequação e as obras voltaram no trecho dos km 5 a 11 após um período parada.