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18 de abril de 2024Na tentativa de evitar resultados que causem perdas econômicas para a União, ou o avanço de assuntos que desagradam ao governo, integrantes do Executivo atuam para moldar os trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Somente nas últimas duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro se encontrou três vezes com o ministro Dias Toffoli, que define a agenda do plenário da mais alta Corte do país. Em duas ocasiões, eles discutiram temas em comum, que unem Planalto e o Poder Judiciário.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, também conversou, a portas fechadas, com três magistrados do tribunal. A proximidade dos Poderes levanta críticas de parlamentares e de entidades de classe, que veem ameaças à independência do Supremo.
Após as reuniões com Toffoli, o presidente Bolsonaro afirmou que foi feito um “pacto” para que todos os poderes da República trabalhem em conjunto para resolver problemas que atravancam o crescimento do país.
O chefe do Executivo afirmou que um dos temas que foram tratados é a possibilidade de que decretos de lei sejam utilizados para revogar outros do mesmo tipo, de presidentes anteriores.
Existe um debate sobre a constitucionalidade deste tipo de medida. Um exemplo é o desejo de Bolsonaro de extinguir, via decreto, conforme ele já anunciou, a Estação Ecológica dos Tamoios, entre Angra dos Reis e Paraty, no Rio de Janeiro, onde em 2012 o agora presidente foi flagrado realizando pesca ilegal.
Atualmente, por conta da biodiversidade e da presença de animais marinhos e terrestres em extinção, a região, considerada sensível, é preservada, sendo vedado qualquer tipo de ato predatório. Em um evento da Marinha, Bolsonaro contou detalhes do diálogo com o ministro do Supremo.
“Pela manhã, tomando um café com Dias Toffoli, palmeirense como eu, bem como o Davi Alcolumbre e o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, eu disse para o Rodrigo Maia: Com a caneta, eu tenho muito mais poder do que você. Apesar de você, na verdade, fazer as leis. Eu tenho poder de fazer decretos. Logicamente, decretos com fundamento, e falei para ele o caso da Baía de Angra, já que estamos falando de mar aqui. Falei: nós podemos ser protagonistas e fazer com que a Baía de Angra seja uma nova Cancún”, declarou Bolsonaro.
O ministro Marco Aurélio critica o acordo, e diz que embora possa ocorrer no âmbito administrativo, não deve avançar sobre as decisões técnicas que são tomadas pela Corte. “No campo administrativo, muito bem. Agora, no campo jurisdicional é impróprio. Nosso pacto é com a Constituição Federal”, afirma.
O magistrado destaca que, até o momento, não vê risco de interferência do Executivo nos assuntos que são levados ao plenário. “A pauta é fixada pelo presidente. Geralmente eu formo juízo pelas outras pessoas a partir do que eu faço. Até que se prove o contrário, não existe motivo para colocar em dúvida a conduta do ministro”, disse. Ele ressaltou ainda que “o Supremo destaca a independência atuando e julgando os assuntos”, e citou a autonomia dos Poderes, prevista na Carta Magna.
Ouvido pela reportagem sobre a condição de anonimato, um outro ministro diz não ver risco na proximidade entre integrantes do Executivo e do Judiciário. “Eu não vejo perigo à independência do STF. Não se está acordando o que será julgado ou não, e muito menos os resultados das nossas análises. Não é a primeira vez que esse tipo de conversa entre os Poderes ocorre”, ressalta.
Associações de juízes criticaram a divulgação do pacto, que envolve também o Legislativo, mas ganhou mais força entre o Judiciário e o Executivo. Em nota, assinada pelo presidente da entidade, Fernando Mendes, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) comentou o apoio de Toffoli à reforma da Previdência, que tem artigos que, se aprovados, podem ser alvos de ações no Supremo.
“A Ajufe vem a público manifestar sua preocupação com o “pacto” noticiado pela imprensa, especialmente com a concordância do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) à reforma da Previdência”, diz um trecho do texto da entidade.
“Sendo o STF o guardião da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais e da democracia, é possível que alguns temas da Reforma da Previdência tenham inconstitucionalidade submetida ao julgamento perante a Corte máxima do país”, segue o texto.
Em meio a polêmica, Bolsonaro lançou críticas ao Supremo na última semana, durante um evento na Assembleia de Deus Ministério Madureira, em Goiânia. Ele afirmou que a Corte está “legislando” ao equiparar o ato de homofobia ao crime de racismo.
“Com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal, eu pergunto: existe algum, entre os 11 ministros do Supremo, evangélico? Cristão assumido? Não me venha a imprensa dizer que eu quero misturar a Justiça com religião. Todos nós temos uma religião ou não temos. E respeitamos. Um tem que respeitar o outro. Será que não está na hora de termos um ministro no Supremo Tribunal Federal evangélico?”, questionou.
A resposta veio horas mais tarde por parte do ministro Alexandre de Moraes que, ao rebater as declarações do presidente, falou sobre a necessidade de proteger as minorias. “Não há nada de legislar. O que há é a aplicação da efetividade da Constituição, protetiva de uma minoria que no Brasil sofre violência tão somente por sua orientação sexual. O Brasil é o quarto país do mundo com maior índice de agressões a pessoas tão somente em virtude de sua orientação sexual. Não é possível continuar com isso”, rebateu.
Na última quinta-feira, dois dias depois de se reunir com Bolsonaro, o ministro Toffoli retirou da pauta da Corte uma ação que trata da descriminalização do uso de drogas. O tema estava previsto para ser submetido ao plenário nesta quarta-feira. Um dia antes de alterar os assuntos previstos para irem ao plenário, o ministro da Economia, Paulo Guedes, realizou uma peregrinação pelos gabinetes dos integrantes da Corte. Os assuntos tratados nos encontros não foram divulgados.
Toffoli declarou que as alterações na agenda do plenário ocorrem em decorrência do julgamento da constitucionalidade da privatização de empresas estatais, sem aval do Congresso, que começou a ser analisado às 14h30 da sessão de quinta e foi encerrado às 16h, ou seja, menos de duas horas depois.
Foram realizadas as sustentações orais (defesa de argumentos) e os votos dos ministros em relação ao tema serão proferidos nesta semana. A conclusão do julgamento da criminalização da homofobia e transfobia, que já conta com seis votos favoráveis, alvo de críticas do chefe do Executivo, também sofreu alterações. A decisão final sobre preconceito contra homossexuais foi remarcada para o dia 13 deste mês.
Veja o que está em jogo no STF
Desagradam ao governo
» Criminalização da homofobia e transfobia
» Legalidade do uso de drogas
» Prisão a partir da 2ª instância
» Demarcação de terras indígenas
Interessam ao Executivo
» Regras para privatização de estatais
» Constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente
» Revisão salarial anual de servidores
» Direito de resposta na mídia