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18 de abril de 2024Desta vez, as pesquisas acertaram em cheio. O resultado das eleições presidenciais de ontem na França decepcionou quem esperava outra surpresa depois de Brexit e Donald Trump. Com 97% dos votos apurados, Emmanuel Macron (En Marche! – Avante!) tinha 23,9%; Marine Le Pen (Frente Nacional – FN), 21,4%; François Fillon (Os Republicanos), 19,9%; e Jean-Luc Mélenchon (A França Insubmissa), 19,6% –exatamente como previam os institutos na véspera.
A precisão impressionante das pesquisas, que cravaram o segundo turno entre Macron e Marine e a ordem exata da votação numa disputa acirrada, cujo resultado ninguém se arriscava a prever, nem foi o evento mais excepcional. O pleito de ontem entrará para a história como pioneiro por vários motivos:
– Macron é o primeiro classificado ao segundo turno na França que jamais foi eleito para nada (no Executivo, foi secretário-adjunto do gabinete e ministro da Economia do atual presidente, François Hollande). Seu partido nem existia há um ano. Ainda assim, é ele o favorito, com mais de 60% das preferências nas pesquisas;
– Será o segundo turno mais jovem na 5ª República Francesa, que data de 1958. Com 39 anos (completados em dezembro), Macron é o candidato mais jovem a chegar tão longe. Aos 48, Marine empata com o recorde anterior, de Valéry Giscard D’Estaing em 1974;
– Pela primeira vez, a FN rompeu numa votação nacional a barreira dos 20% dos votos. Em 2002, o pai de Marine, Jean-Marie, teve 17,8% no segundo turno, que perdeu para Jacques Chirac. Com mais de 7,6 milhões de votos já no primeiro, ela deverá alcançar o pelo menos o dobro disso no segundo – marca inédita para um partido no extremo do espectro político;
– Pela primeira vez, nenhum dos dois maiores partidos do país está representado na disputa: nem o Partido Socialista (antes SFIO) nem Os Republicanos (antes UMP, RPR, UDR e UNR). Em apenas três eleições anteriores (1969, 1974 e 2002), um candidato outsider conseguira romper o duopólio esquerda-direita que marca a política francesa. Desta vez, os dois partidos tradicionais somaram 26,3% dos votos – ante 57% em 2007 e 56% em 2012.
Está na crise desse duopólio a explicação para o êxito de Macron. Como ministro de Hollande, ele foi o principal responsável pelas tentativas de impôr reformas liberais à ossificada economia francesa – onde o Estado responde por nada menos que 57% do Produto Interno Bruto (PIB), marca inferior apenas à Finlândia na Europa. Saiu frustrado do governo, derrotado com a desidratação de suas propostas nos dois projetos de reformas trabalhistas: as leis Macron e El Khomri, ambas alvo de protestos.
“Apesar da juventude, ele é um dos políticos franceses mais experientes para lidar com a interminável guerrilha da política doméstica”, diz em seu blog Arthur Goldhammer, acadêmico especializado em França da Universidade Harvard. “Ele na verdade adquiriu essa experiência na negociação das leis Macron e El Khomri.” Ex-banqueiro, formado na iniciativa privada, Macron é uma espécie de João Doria francês. “É um gestor, não um mago. Mas política é o lugar errado para buscar magos”, diz Goldhammer.
Macron se beneficiou da crise mundial que atravessa a social-democracia, representada na França pelo PS. Apesar de reformas liberais gerarem protestos dos interesses afetados, é evidente para a maioria silenciosa do eleitorado o esgotamento do modelo de crescimento baseado no Estado. A votação média dos partidos social-democratas na Europa caiu 20% na comparação com os anos 1970, segundo um levantamento da revista The Economist. É a terceira vez, em nove eleições desde 1965, que o PS não chega ao segundo turno na França.
A posição estratégica de Macron no tabuleiro político francês é a ideal. Num momento em que a polarização toma conta da política, ele soube criar um discurso eficaz dizendo não ser “nem de esquerda, nem de direita”, querendo aproveitar o melhor dos dois lados. Numa escala elaborada pela Fundação Jean-Jaurès que vai de 1 a 10, da extrema esquerda à extrema direita, Macron registra 5,2 – ante 9,1 de Marine, 8,1 do conservador Fillon, 2,8 do socialista Benoît Hamon e 1,5 do “bolivariano” Mélenchon.
Macron era, portanto, o único candidato centrista. Ou levemente à direita, exatamente como o francês médio, que marca 5,5 na mesma escala. Dos franceses, 22,5% se dizem de esquerda; 36,3% de direita; e 34%, moderados. “Ele está no lugar certo, na hora certa”, afirma o cientista político Gilles Finchelstein, da Jean-Jaurès. “No lugar certo, onde está a maioria dos franceses. Na hora certa, quando os candidatos dos partidos deixaram vago, de modo surpreendente, esse espaço central.”
O erro estratégico dos partidos convencionais, dilacerados por primárias que levaram a escolhas extremas, permitiu que Macron tivesse mais sucesso que outros candidatos que tentaram concorrer com uma plataforma de centro em tempos recentes, como François Bayrou ou Édouard Balladur – e jamais alcançaram a marca dos 20%. O único candidato com perfil semelhante a Macron a ser eleito na França foi Giscard D’Estaing, em 1974.
A diferença dele para Macron estava na experiência legislativa e no apoio sólido nas máquinas partidárias. Macron terá a seu favor, no segundo turno, a oposição à FN que une a maioria da sociedade francesa. Fillon e Hamon já lhe deram apoio, assim como praticamente todos os políticos de algum relevo associados aos partidos tradicionais. Mas, caso ele vença, é improvável que esse apoio se estenda à formação do governo.
“O momento decisivo se dará nas eleições legislativas (marcadas para junho)”, diz em artigo o cientista político François Briatte, da Escola Europeia de Ciências Políticas e Sociais, em Lille. Quem quer que vença precisará do apoio dos partidos tradicionais para formar um governo de coalizão. Como partido estabelecido há décadas, a FN leva alguma vantagem nesse quesito. “Em certos distritos, a FN é, de fato, o partido de direita dominante, sem o qual se tornou tecnicamente impossível, para um candidato de direita, ser eleito.”
Mais que ser eleita, Marine tem a esta altura como objetivo ampliar sua base parlamentar – hoje a FN tem apenas dois deputados na Assembleia. Só conseguirá fazer isso por meio de alianças com aqueles que aderirem a seu discurso. Tentará mudar o eixo da campanha da discussão econômica para a identitária.
Reforçará sua postura nacionalista, em oposição aos “globalistas” da União Europeia (UE) e dos organismos internacionais e àqueles que, segundo ela, querem destruir a identidade francesa. Tentará, enfim, uma aliança em torno do conceito que os analistas franceses têm chamado de “soberanismo”, uma concepção de identidade nacional com menos carga ideológica.
“Ela terá dificuldade em encarnar o ‘novo’, associado antes a Macron”, disse o historiador Nicolas Lebourg ao jornal Libération. “Os próceres frentistas poderão buscar uma coalizão com o eleitorado soberanista e anti-liberal, mas a cultura de oposição à FN torna tudo isso teórico demais. Com a dificuldade suplementar de que o eleitorado de direita, órfão doravante de candidato, está mais próximo do programa do En Marche! que da FN.”
Mesmo que Marine perca, a FN sairá maior da eleição, poderá até mesmo liderar um bloco parlamentar de oposição. Uma vitória de Macron afastaria de imediato os cenários mais catastrofistas de fratura na UE e abriria caminho para reformas liberais mais profundas no Estado francês. Mas também daria força à oposição nacionalista, e não escaparia de uma agenda centrada em torno da imigração e do terrorismo. O rosto da política francesa sob seus novos protagonistas, Macron e Marine, ainda está indefinido – mas já é certo que não terá nada a ver com aquele que dominou toda a 5ª República.