O governo quer que os bancos repassem aos mutuários do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) os ganhos com a mudança na regra de remuneração da caderneta. A ideia é que os contratos de financiamentos antigos também sejam beneficiados, e não apenas os que venham a ser assinados daqui por diante.
O governo estuda reduzir a remuneração da caderneta, o que, na prática, significa que os bancos vão passar a pagar menos para captar recursos.
Mas, se não houver mudança na remuneração dos contratos antigos, os bancos continuariam recebendo juros mais altos nos cerca de R$ 78,164 bilhões em financiamentos assinados dentro das regras do SBPE.
Um técnico que participa das discussões diz que, em todas as hipóteses discutidas para mudar as regras de remuneração da caderneta, há sempre ganhadores e perdedores. A preocupação é estabelecer um equilíbrio entre os participantes do sistema, incluindo poupadores, mutuários, bancos e o próprio governo.
Os estudos do governo apontam que, do ponto de vista técnico, a solução mais adequada é reduzir a remuneração fixa da poupança, de 6% ao ano. “Se não mexer nisso, vai continuar existindo um piso para a redução da taxa básica de juros”, afirma um ministro da área econômica.
O primeiro passo seria acabar, por meio de projeto de lei, com esse percentual mínimo. O passo seguinte seria estabelecer uma fórmula para fixar o novo percentual de remuneração.
Uma das propostas é que o governo, por meio de decreto presidencial ou por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), passe a fixar periodicamente a remuneração da caderneta, usando uma regra flexível.
O modelo seria parecido com o da fixação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Nele, teoricamente o CMN deve observar parâmetros, como risco-Brasil e expectativas de inflação. Mas, na prática, o Conselho Monetário tem definido a taxa de forma bastante arbitrária.
Um técnico da área econômica pondera, entretanto, que o uso de uma regra arbitrária poderá afastar os tradicionais investidores da caderneta. “O poupador confia no sistema porque sabe exatamente a remuneração que recebe no fim do mês “, afirma esse técnico.
Outra saída seria vincular a remuneração da caderneta a uma taxa de juros. Uma das hipóteses seria a Selic. Outra seria criar uma taxa flutuante, válida por um prazo entre três ou seis meses, nos moldes da Libor. Nesse caso, o parâmetro poderia ser a curva de juros do mercado.
Um dos problemas de atrelar a caderneta aos juros do mercado é que, se o Banco Central promover um aperto na política monetária, os juros do financiamentos imobiliários dentro do SBPE também subiriam.
“O risco é os mutuários não conseguirem pagar as prestações dos financiamentos, criando novos desequilíbrios no sistema”, afirma um técnico do governo especializado na área imobiliária.
Se a opção for por mexer na remuneração fixa de 6% da caderneta, por princípio o governo também deverá reduzir os juros fixos dos financiamentos imobiliários, hoje em 12% ao ano. Nesse caso, a ideia é que seja mantido o “spread”, hoje de 6 pontos percentuais (pp.). Assim, por exemplo, se a remuneração fixa da poupança for reduzida em 2 pp., dos atuais 6% para 4% ao ano, os juros dos financiamento do SFH recuariam também 2 pp., de 12% para 10% ao ano.
A regra se aplicaria automaticamente para os novos contratos. A preocupação do governo é que o benefício seja estendido também para os contratos antigos. Se os contratos antigos não forem revistos, só os bancos sairiam ganhando com a mudança, porque receberiam um “spread” maior do que 6 pp.
A questão é como alterar os financiamentos antigos sem violar os contratos já assinados. O governo sondou os bancos para estabelecer um compromisso de que, uma vez revista a regra da poupança, os benefícios sejam repassados aos mutuários de contratos antigos. Os próprios bancos, diz um técnico do governo, teriam interesse em repassar os benefícios aos mutuários, como forma de evitar uma enxurrada de ações na Justiça questionando os juros dos financiamentos imobiliários.
Embora, do ponto de vista técnico, a extinção do piso de 6% para a remuneração da caderneta seja considerada a hipótese mais acertada, o governo avalia também outras alternativas que não dependam do Congresso. A preocupação é, um ano antes da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evitar o ônus político de alterar a remuneração básica da caderneta.
Entre as hipóteses teoricamente possíveis estão mudar a fórmula de cálculo da taxa referencial (TR), a isenção de Imposto de Renda sobre a a caderneta e flexibilizar o direcionamento obrigatório de recursos da caderneta para a habitação.