Mais uma frente foi aberta na guerra fiscal entre Estados, com os processos movidos por dois municípios goianos, Córrego do Ouro e Joviânia, para cobrar do governo de Goiás o repasse integral das cotas do ICMS. Se outros municípios seguirem o exemplo, cada governo envolvido na disputa de investimentos em troca de benefícios tributários terá de enfrentar um novo tipo de oposição – inesperado, até recentemente, por surgir dentro do próprio Estado. Até há pouco tempo, atos de retaliação e impugnações na Justiça vinham de outros governos estaduais, empenhados em evitar o desvio de indústrias e de outros tipos de negócios para outras unidades da Federação. A abertura da nova frente de batalha pode favorecer a solução de um velho problema do sistema tributário nacional, fonte de insegurança para muitos Estados e causa de distorções graves na alocação de recursos.
O primeiro ato de uma guerra fiscal, equivalente à agressão, ocorre quando um governo estadual oferece desconto ou isenção de imposto para estimular a instalação de negócios no território sob sua jurisdição. Em muitos Estados essa manobra foi usada para atrair indústrias. A industrialização de algumas áreas menos desenvolvidas foi acelerada, especialmente a partir dos anos 80, com essa política. Mais tarde surgiram incentivos a outros tipos de negócios – até importações estimuladas com redução de tributos, uma forma de favorecer deslealmente o concorrente estrangeiro.
A maior parte dessas iniciativas foi e continua sendo ilegal, mas esse detalhe nunca deteve os governantes interessados em atrair capitais em troca de vantagens. Pela Lei Complementar n.º 24, de 1975, governos estaduais só poderiam conceder benefícios aprovados no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), formado por secretários de Fazenda de todos os Estados e do Distrito Federal. A aprovação teria de ser unânime.
A disputa em Goiás pôs em evidência um aspecto raramente lembrado dessa guerra. Ao repassar a cada município sua cota do ICMS, o Tesouro estadual descontou a parcela correspondente aos benefícios tributários concedidos ilegalmente. Não haveria como incluí-los no cálculo, segundo o governo, porque jamais haviam sido recolhidos pelo Fisco estadual.
Dois municípios conseguiram do Tribunal de Justiça de Goiás liminares a favor do pagamento integral de suas cotas. O governo goiano recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a liminar. Segundo sua defesa, o Estado estava impossibilitado de repassar aos municípios uma porcentagem de um dinheiro jamais recolhido. Se as cotas fossem pagas integralmente, faltariam recursos para atividades essenciais do poder público e a ordem social estaria ameaçada.
Nenhum desses argumentos foi comprovado, afirmou em sua decisão o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, ao avaliar os pedidos de suspensão das duas liminares. Os exames foram separados, mas os despachos foram essencialmente iguais. O ponto fundamental foi a referência à lei de 1975. Não havendo indício de aprovação dos benefícios fiscais pelo Confaz, só restava qualificá-los como ilegais.
As duas decisões criam a oportunidade para uma arrumação parcial, mas importante, do sistema nacional de impostos. O risco de novos processos movidos por municípios, somado ao precedente criado pela decisão do ministro Joaquim Barbosa, pode valer como estímulo adicional para os governos estaduais buscarem um acordo razoável sobre os subsídios, componente essencial de uma boa reforma do ICMS.
Os governadores devem decidir se querem convalidar os incentivos em vigor e renunciar à concessão arbitrária de novos benefícios ou enfrentar o perigo de uma suspensão geral dos incentivos ilegais. Uma súmula vinculante do STF produziria esse efeito, temido tanto por governantes quanto por empresários favorecidos pelos estímulos. Para chegar a esse resultado, o governo e seus aliados no Congresso terão de se empenhar politicamente muito mais do que fizeram até agora.