Na contramão do movimento do governo federal e de alguns Estados e municípios, que se preparam para protestar devedores de tributos ou inscrevê-los em órgãos de proteção ao crédito, a cidade de São Vicente, no litoral paulista, já desistiu de usar a prática no seu dia-a-dia. O município foi um dos primeiros do país a regulamentar o protesto de dívidas tributárias em cartórios, ainda em 1999, como forma de pressionar os contribuintes a quitarem suas dívidas antes de serem executados na Justiça. A medida foi adotada entre 2002 e 2004, mas abandonada por não ter surtido o efeito desejado – o aumento da arrecadação.
O protesto ou a inscrição de devedores de tributos em cadastros negativos tem sido discutidos desde o fim dos anos 90 como uma saída para garantir o pagamento de tributos. A ideia é que, ao ter seu nome inscrito, o contribuinte, temendo perder negócios ou ter sua imagem abalada no mercado, pague o que é devido sem que seja necessária uma ação de execução fiscal. O principal empecilho a essa prática hoje é a inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito – que provocaria indenizações por danos morais – e a própria resistência dos contribuintes, que muitas vezes questionam a prática na Justiça.
No caso de São Vicente, que iniciou o protesto dos contribuintes devedores em 2002 com base na Lei Complementar municipal nº 263, de 1999, os motivos foram outros. Durante os dois anos de vigência do sistema, os resultados ficaram aquém do esperado, e, segundo a chefe da procuradoria fiscal do município, Elaine da Silva, não houve um aumento significativo da arrecadação decorrente do protesto. “Os meios convencionais, como o bloqueio de ativos financeiros, a penhora de bens móveis e imóveis do devedor e outras medidas que inibam a alienação de bens, têm sido mais eficazes na cobrança da dívida, principalmente após a regulamentação do uso da penhora on-line”, afirma. Além disso, segundo ela, outra desvantagem encontrada no protesto de devedores seria o fato de que ele não interrompe o prazo de prescrição de cinco anos para que se entre com a ação de execução fiscal na Justiça. “Ao passo que o despacho do juiz ordenando a citação, após o ajuizamento da execução fiscal, é apto a interromper a prescrição”, diz. Em outras palavras: se a procuradoria resolver protestar a dívida e o contribuinte não pagar, esse tempo perdido é contado no seu prazo de prescrição. Já na Justiça, havendo a citação, há a interrupção desse prazo e a dívida não tem mais o risco de prescrever.
A ausência de uma jurisprudência pacificada no Poder Judiciário com relação à legalidade ou não do uso do protestos de devedores de tributos, no entanto, também colaborou para a extinção da prática em São Vicente, de acordo com a chefe da procuradoria fiscal. Não houve um grande número de ações contra o município contestando o uso do protestos – apenas quatro contribuintes entraram na Justiça, entre as 228 certidões de dívida ativa levadas a protesto pela prefeitura entre os anos de 2002 e 2004. Ainda assim, esses processos judiciais preocupam a procuradoria, já que São Vicente está perdendo nas quatro ações – em duas delas, a condenação é definitiva.
Entre as condenações das quais ainda cabe recurso há uma recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em favor de uma imobiliária situada no município de São Vicente. A empresa teve seu nome protestado em cartório em 2002 por dívidas geradas pelo não-pagamento de IPTU e pediu, além do cancelamento do protesto, uma indenização por danos morais na Justiça. De acordo com o tributarista Roberto Junqueira Ribeiro, sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, que representou a imobiliária, a defesa da empresa usou o argumento de que a Lei de Execuções Fiscais já traz meios suficientes para a cobrança tributária. “E uma lei municipal não poderia extrapolar esses limites”, afirma.
O argumento foi aceito no tribunal. O entendimento da maioria dos desembargadores da 15ª Câmara de Direito Público do TJSP foi no sentido de que a Lei de Execuções Fiscais – a Lei nº 6.830, de 1980 – não prevê qualquer outro meio, além da própria execução, para a exigência de dívidas, “muito menos a remessa bancária ou o protesto de títulos”, segundo o acórdão. Os desembargadores também discordaram do argumento do município de que o protesto das dívidas está amparado por um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que considera que a inscrição em dívida ativa equivale a um título executivo e, assim, pode ser levado a protesto, como prevê a Lei federal nº 9.492, de 1997. De acordo com os magistrados, a lei não autoriza expressamente esse tipo de protesto, portanto ele não poderia ser regulado por um parecer. Eles entenderam ainda que uma lei municipal, como a de São Vicente, não poderia regulamentar o tema, que é de competência federal.