Um balanço parcial das decisões dadas no julgamento dos principais “leading cases” proferidos nesta década pelo antigo Conselho de Contribuintes – esfera administrativa que julga os recursos de contribuintes contra autuações do fisco federal – mostra que a maioria delas foi favorável aos contribuintes. De um conjunto de 13 decisões, em 7 os conselheiros beneficiaram as empresas, em 4 a Fazenda saiu vencedora e em outros 2 processos a decisão foi parcial. Com o início do funcionamento do novo formato do órgão – que passou a se chamar Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em dezembro de 2008 – é grande a expectativa dos tributaristas sobre o resultado do julgamento de disputas em curso e ainda não pacificadas, já que tanto a estrutura quando a composição do conselho foi alterada.
Um dos casos de maior impacto para os contribuintes é a disputa entre o fisco e as empresas que exportam produtos com a intermediação de subsidiárias localizadas em paraísos fiscais, que, então, vendem as mercadorias para os consumidores finais. O caso é semelhante ao vivido pela Marcopolo, fabricante gaúcha de carrocerias que, em 1999 e 2000, exportou US$ 55 milhões por meio de duas empresas coligadas – a Marcopolo International Corporation, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, e a Ilmot International Corporation, localizada no Uruguai. A Receita Federal do Brasil autuou a empresa com o argumento de que as vendas foram realizadas, mas que não tiveram a intermediação das coligadas, ao contrário do que registra a Marcopolo. Em 2005, o fisco autuou a empresa em milhões de reais por ter deixado de pagar Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidentes sobre os lucros retidos nas subsidiárias. Em setembro de 2008, a Quinta Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, decidiu, por maioria, rejeitar o recurso da Marcopolo.
A Marcopolo recorreu à mesma câmara argumentando que é necessário o pronunciamento dos conselheiros sobre diversos pontos essenciais para o correto entendimento de suas operações, e que não teriam sido apreciados no julgamento. O recurso ainda está pendente de julgamento e a empresa vê na mudança na estrutura do conselho um fator positivo. Em nota enviada ao Valor, a Marcopolo destaca o fato de a decisão da câmara não ter sido unânime e de não ser definitiva e informa acreditar que deverá ser revista.
Planejamentos tributários como esse representam as disputas mais polêmicas do Conselho de Contribuintes. Desde os anos 2000, a instância administrativa passou a considerar a substância econômica das operações mais valorosa do que a forma que assumem, começando, assim, a apertar o cerco aos contribuintes que optam pelo planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. “A análise mais rigorosa dos motivos das transações passou a favorecer a Fazenda”, afirma a coordenadora da área tributária do escritório TozziniFreire Advogados, Ana Cláudia Utumi. A advogada afirma que em vários países empresas adotam as mesmas estratégias que as companhias brasileiras, mas fora do Brasil há base legal para isso. “Aqui a interpretação feita pelo conselho é no sentido de que a operação é uma mera simulação da empresa para pagar menos impostos”, afirma. Para ela, a chance de reversão desse tipo de entendimento ser revertido é grande. “Trata-se de uma ampliação do conceito de simulação que consta no artigo 167 do Código Civil”, diz a tributarista. O dispositivo estabelece que o negócio jurídico é simulado quando aparenta transferir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se transferem. Além disso, há uma corrente de pensamento dentro do conselho que, ao invés de defender a existência de substância econômica nas operações, sustenta que se elas são feitas dentro da lei, devem ser aceitas.
Uma outra preocupação é se o órgão continuará adotando o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o prazo que a empresa tem para pedir a restituição de valores pagos em impostos indevidamente. “Em relação a pagamentos realizados antes da edição da Lei Complementar nº 118, de 2005, o antigo conselho entendia que os contribuintes têm dez anos para isso, o que era ótimo”, diz o advogado Cássio Sztokfisz, do escritório Souza, Schneider e Pugliese Advogados. Outro caso relevante de planejamento tributário que pode tomar outro rumo em decorrência das alterações do conselho é o que discute se as empresas devem pagar o IR sobre os ganhos no exterior. Em 2004, a Light Serviços de Eletricidade foi autuada em milhões de reais por deixar de recolher o IR sobre esses valores. De acordo com o argumento do fisco, em 1999 a empresa de energia teria remetido recursos ao exterior, com o intuito de aumentar o capital das subsidiárias Light Overseas Investiment e LIR Energy no valor de mais de R$ 1 bilhão, mas essas subsidiárias teriam sido criadas com o propósito específico de atuarem como veículos de financiamento externo. Neste caso, a Quarta Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes se posicionou de forma favorável à empresa, por maioria de votos, mas ainda está pendente o julgamento de um recurso por maioria. O instrumento era de uso exclusivo do fisco nos casos em que a decisão da câmara não era unânime, mas deixou de existir para casos futuros com a alteração no funcionamento da instância administrativa.
Além de estarem atentos às decisões do conselho em relação a planejamentos tributários, os advogados se preocupam com a manutenção real da paridade dentro do novo conselho de recursos fiscais. Mas, como, no novo órgão os conselheiros passarão a ser eleitos por uma comissão de excelência formada por representantes da Fazenda e dos contribuintes, o advogado Gilberto de Castro Moreira Júnior, do escritório Vella Buosi Advogados, espera que isso garanta a alta qualidade técnica dos julgadores do órgão. “Muitas vezes, melhor do que as decisões judiciais”, diz.