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18 de abril de 2024Um dos maiores mistérios ligados ao novo coronavírus Sars-Cov2 é sua origem. Uma coincidência intrigante deu margem a um sem-número de teorias da conspiração: Wuhan, cidade onde foram relatados os primeiros casos da Covid-19, abriga também a sede do mais avançado centro de pesquisa em virologia da China.
Lá funciona o único laboratório do país com o nível máximo de biossegurança (BSL-4), no Instituto de Virologia de Wuhan, onde ficam armazenadas centenas de amostras de vírus extraídos de morcegos em cavernas chinesas. Foi numa dessas amostras que a cientista chinesa Shi Zhengli, apelidada “mulher-morcego”, encontrou o parente mais próximo do Sars-Cov2, um vírus cujo código genético é 96% idêntico ao do novo coronavírus.
A amostra foi coletada numa caverna perto de Jianning, na província de Yunnan, a mais de 1.800 quilômetros de Wuhan. O coronavírus causador da Sars, que matou quase 800 pessoas entre 2003 e 2005, também foi rastreado até cavernas da região. O curioso é que os primeiros casos de Covid-19 foram relatados não em Yunnan ou perto das cavernas, mas justamente em Wuhan.
No primeiro estudo publicado sobre 41 pacientes da Covid-19, na revista médica britânica The Lancet, 27 deles foram vinculados um mercado de produtos animais e frutos do mar. O mercado Huanan fica em Wuhan do outro lado do rio Azul, a 1.600 metros do instituto onde trabalha Shi, a menos de 300 metros da sede do Centro para Controle de Doenças da China. A localização foi o bastante para dar margem a duas hipóteses sobre a origem do vírus, ambas problemáticas.
A primeira, que se consagrou como canônica, se inspira na história do coronavírus causador da Sars. Os primeiros casos em 2003 foram rastreados até outro mercado de animais, em Cantão, onde civetas (mamífero cuja carne é uma iguaria na China) passaram a seres humanos o vírus contraído de morcegos. De acordo com essa hipótese, algo semelhante teria acontecido em Wuhan, com outro animal como vetor da transmissão, talvez um pangolim (outra iguaria chinesa).
O problema dessa hipótese é que, já no estudo da Lancet, vários pacientes não tinham conexão aparente com o mercado, entre eles o primeiro a manifestar sintomas da doença, no dia 1º de dezembro de 2019. Embora 33 amostras do vírus tenham sido encontradas no mercado Huanan depois que ele foi fechado em 1º de janeiro, nenhuma das coletadas de animais vendidos lá testou positivo para o Sars-CoV2. Todos os sinais do vírus estavam no ambiente ou no esgoto.
Rastros do vírus no esgoto também foram encontrados em diversos outros lugares, em amostras coletadas bem antes do surto em Wuhan: em dezembro na Itália (Milão e Turim), em novembro no Brasil (Santa Catarina) e até em março na Espanha (Barcelona). Uma amostra coletada de um paciente francês em 27 dezembro confirmou que ele já havia contraído o vírus na Europa antes daquela data.
O caso francês foi vinculado ao aeroporto Charles de Gaulle, de onde há voos diretos para Wuhan. As demais amostras, com exceção da coletada em Barcelona, poderiam ter relação com os Jogos Mundiais Militares, que receberam atletas de todo o mundo em Wuhan, em outubro de 2019 (o Brasil ficou em terceiro no quadro de medalhas). Todas põem em xeque a hipótese do mercado Huanan.
É aí que entra em cena a segunda hipótese, segundo a qual o vírus veio não de animais no mercado, mas do Instituto de Virologia, onde estão armazenadas centenas de amostras coletada de morcegos. Na versão conspiratória, trata-se de uma “arma biológica” desenvolvida por engenharia genética, que saiu do controle. Na versão mais branda, pode ter sido apenas um acidente, como outros que já aconteceram com vírus que escaparam de laboratórios (houve casos de marburg e ebola).
A versão conspiratória da hipótese foi desmentida por um estudo publicado em março na revista Nature Medicine. “Se tivesse havido manipulação genética, um dos sistemas de genética reversa disponíveis provavelmente teria sido usado”, diz o estudo. “Porém os dados genéticos mostram irrefutavelmente que o Sars-CoV2 não deriva de nenhuma estrutura de coronavírus usada previamente.”
A versão branda ganhou novo impulso no final de semana, com a publicação de uma longa reportagem no jornal britânico Sunday Times. Os repórteres descobriram que o coronavírus identificado por Shi como parente mais próximo do Sars-CoV2 fora responsável por uma doença respiratória misteriosa, de características semelhantes à Sars e à Covid-19, que matou quatro das seis pessoas que tiveram contato com morcegos em cavernas de Yunnan em 2012. Tal informação foi omitida no estudo publicado por Shi em fevereiro na Nature.
De acordo com cientistas ouvidos pelo Sunday Times, levaria entre 20 e 50 anos para aquele coronavírus de 2012 evoluir naturalmente até o Sars-CoV2. Mas nada impede que a evolução de um vírus acelere quando ele se adapta a um novo hospedeiro, sejam civetas, pangolins ou humanos. Mesmo que não tenha havido manipulação, não dá para descartar um acidente. Sempre houve fluxo regular de cientistas entre Yunnan e Wuhan, e o governo chinês jamais foi transparente com os fatos relativos ao início da pandemia.
O genoma do Sars-CoV2, sequenciado por Shi em 2 de janeiro, só foi divulgado para a comunidade científica dez dias depois, mediante enorme pressão de cientistas chineses. Apenas no dia 20 o governo chinês reconheceu que o vírus era contagioso entre humanos. Tal opacidade só contribuiu – e contribui – para ampliar o mistério sobre a origem do novo coronavírus e para inflamar as teorias da conspiração.