A reabertura da administração federal e a elevação do teto da dívida americana, aprovadas na última hora quarta-feira pelo Congresso dos EUA, evitaram uma hecatombe nos mercados financeiros. Mas, ao determinar curta duração às medidas, que expiram em 15 de janeiro e 7 de fevereiro, respectivamente, o acordo manteve a incerteza sobre os rumos fiscais e a capacidade de honrar compromissos do principal motor da economia mundial. Com a imagem dos Estados Unidos arranhada, depois de uma acirrada disputa política que se arrastou por semanas, o dólar perdeu terreno frente às principais divisas mundiais. No Brasil, a moeda americana fechou em queda de 0,73%, a R$ 2,159 para venda. E o índice Ibovespa, da Bolsa de Valores de São Paulo, caiu 1,10%.
— O impasse para elevar o teto da dívida acabou arranhando a imagem dos Estados Unidos, tanto que as agências de classificação de risco, como a Fitch, ameaçaram rebaixar a nota ‘AAA’ do país. A demora em chegar a um acordo teve impacto negativo no preço dos ativos e o dólar perdeu força — diz Beto Domenici, estrategista da Rio Bravo.
Frente ao euro, o dólar caiu 1,03%, na maior queda em um mês. A cotação do ouro subiu 3,2%. Nas bolsas americanas, a expectativa de que uma piora no ambiente econômico dos EUA leve o Federal Reserve (Fed, banco central americano) a retardar a retirada dos estímulos ao mercado levou a uma alta das ações. O índice S&P 500, da Bolsa de Nova York, subiu 0,67%. O Nasdaq avançou 0,62% e o Dow Jones teve ligeira queda, de 0,01%.
Menor cotação desde junho frente ao real
No Brasil, a sinalização de pelo menos mais uma elevação de meio ponto percentual da Selic, a taxa básica de juro, este ano, na ata da última reunião do Banco Central sobre o tema, divulgada ontem, ajudou a derrubar o dólar, que fechou na menor cotação desde 14 de junho.
Com as incertezas fiscais ainda no horizonte, os Estados Unidos podem sofrer um baque em seu crescimento econômico. Considerando estimativas de diferentes analistas, as duas disputas travadas entre governo e oposição — para a elevação do teto da dívida e para a liberação de gastos do governo — podem reduzir em US$ 206 bilhões a geração de riquezas pelos EUA neste e no próximo ano.
A comissão estabelecida para formatar um orçamento de longo prazo para os EUA nos próximos dois meses precisa chegar a um acordo sobre o nível de gastos de 2014. Sem isso, entrarão em vigor automaticamente novos cortes de despesas de US$ 109 bilhões. Segundo o Escritório de Orçamento do Congresso, seria o suficiente para roubar 0,7 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), que já crescerá este ano 0,6 ponto menos por causa da crise de outubro, segundo a Standard&Poor’s. Num exercício para mensurar o impacto dos impasses, 0,6 ponto do PIB de 2013 significa US$ 93,3 bilhões. E 0,7 ponto sobre o PIB de 2014, US$ 113,4 bilhões. Ou seja: as duas brigas podem custar aos EUA US$ 206 bilhões em riquezas em menos de 12 meses.
O preço que os EUA pagarão, com consequências para os demais países, se apresentará de duas formas. A curto prazo, dizem analistas, a desconfiança de empresas e famílias tende a subir, limitando os investimentos e o consumo necessários à retomada mais sólida da atividade. A longo prazo, a persistência de batalhas em torno do Orçamento e do endividamento mina a credibilidade dos EUA como referência internacional, o que pode elevar o custo de financiamento do governo e enfraquecer o dólar como moeda de reserva global.A economista-chefe para os EUA da S&P, Beth Ann Bovino, explica:
— Se as pessoas mantiverem o temor de que a ação temerária na formatação das políticas vai ressurgir uma vez mais, elas continuarão receosas de abrir a carteira. Isso sozinho já aponta outro período de festas de fim de ano de contrição.
Janeiro já aparece como próximo momento de tensão. Os republicanos querem manter as despesas nos níveis do chamado sequestro, em US$ 967 bilhões. Já os democratas e a Casa Branca querem esticar os gastos a US$ 1,058 trilhão.
— Democratas e republicanos continuam muito distantes no que tange os rumos da política fiscal. O palco já está armado para outro espetáculo — disse Paul Edelstein, diretor de Assuntos Financeiros da gestora IHS Global Insight.
O consumo representa 70% do PIB americano. Qualquer oscilação de humor das famílias tem impacto certeiro no ritmo de crescimento. Isso é especialmente verdade para os 800 mil servidores que foram postos em licença automática — o Executivo federal é o maior empregador individual do país.
A longo prazo, a incredulidade da comunidade internacional diante da disputa política irracional — foi a terceira crise fiscal em dois anos — também pode apresentar sua fatura. A certeza de pagamento e a solidez dos Estados Unidos são as duas condições que fazem dos papéis do Tesouro americano a aplicação mais segura do mundo e do dólar, a moeda de reserva internacional.
Segundo William Ridgway, vice-presidente de operações da Madison Capital, a crise fiscal americana teve impacto maior sobre o crescimento do país. Mas, afirma, a credibilidade dos títulos do governo americano foi arranhada.
— Se o mundo acha que o governo está disfuncional, é um problema. Nesse mercado, é tudo sobre confiança — dz Ridgway.
Há US$ 12 trilhões em títulos públicos americanos no mercado. Segundo o economista Amadou Sy, do Brookings Institution, esses papéis são 62% das reservas internacionais dos países, ou US$ 3,8 trilhões. O risco de um calote na dívida fez a taxa de juros do títulos americanos subir de 2,66% ao ano no início do mês para 2,75% na terça-feira. Isso elevou em US$ 56 milhões o custo do pagamento de juros pelo Tesouro americano no mês. Ontem, a taxa do título de dez anos caiu a 2,61%.