Em outubro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu uma
investigação para apurar movimentações “atípicas” no mercado futuro de
juros às vésperas da reunião de agosto do Comitê de Política Monetária
(Copom). Um levantamento feito pelo Estado mostra que realmente houve uma quantidade de negócios muito acima do normal naqueles dias.
Mas volumes atípicos não foram exclusividade daquele encontro: as
planilhas apontam uma disparada nas transações sempre que a decisão do
Banco Central (BC) surpreendeu o mercado de 2010 para cá.
Alguns números deixam clara a dimensão dessas movimentações. Nos
quatro dias que antecederam esse encontro de agosto, o volume de
contratos negociados chegou a 7,8 milhões. Na reunião de julho, foram 2
milhões e, na de junho, 2,2 milhões.
Antes do Copom de agosto, uma pesquisa da AE Projeções, um
serviço da Agência Estado, mostrava que as 72 instituições financeiras
consultadas apostavam em manutenção da taxa básica de juros (Selic) em
12,50% ao ano. O BC a reduziu para 12%.
Na véspera do Copom de julho, 73 casas ouvidas pelo AE Projeções esperavam alta de 0,25 ponto porcentual, para 12,50%, o que acabou
ocorrendo. Só uma projetava estabilidade da Selic. Antes da reunião de
junho, a pesquisa apontou que todas as 75 instituições previam elevação
de 0,25 ponto, para 12,25% ao ano, o que também se confirmou.
Em resumo: as três reuniões tiveram o mesmo padrão. Praticamente todo
o mercado previu um movimento. Em junho e julho, o movimento se
confirmou. Apenas em agosto houve a surpresa. E justamente em agosto, as
negociações com contratos futuros de juros dispararam. Em tese, não há
razão que explique tantas diferenças nos números.
São dados como esses que levaram a CVM a abrir a investigação.
Procurada, a autarquia disse, por meio da assessoria de imprensa, que
não faria comentários nem informou um prazo para o término da
investigação.
Rumor antigo. A história do Copom de agosto remete a
um rumor que circula com força no mercado desde o primeiro semestre de
2010. Segundo operadores, analistas e economistas, algumas poucas
instituições financeiras e algumas pessoas físicas estranhamente vêm
acertando todas as decisões do Copom, inclusive as inesperadas.
Os dados públicos da BM&FBovespa não permitem que se saiba quem
são esses agentes. Mas quem opera no mercado cruza informações sobre as
transações e comenta, nos bastidores, sobre os que sempre “vencem”.
Procurada, a bolsa informou que nada tinha a acrescentar a esta
reportagem.
“Desistimos de operar juro futuro porque a sensação é de que há
assimetria de informações no mercado”, afirmou um analista que pediu
para ter o nome mantido sob sigilo. “Reduzimos muito as apostas em juros
futuros por causa do comportamento esquisito do mercado antes de
algumas decisões do Copom”, disse um operador, que também pediu para não
ser identificado.
O Banco Central não quis se pronunciar para esta reportagem, mas, em
uma manifestação pública quando a CVM iniciou as investigações, informou
que “a meta da taxa Selic somente é discutida em reunião reservada no
segundo dia e fixada por maioria de votos dos membros do Copom”. “A
decisão é imediatamente informada a toda a sociedade. Assim, não é
possível o conhecimento prévio da decisão.”
Fortuna. Diariamente, investidores negociam na
BM&FBovespa contratos futuros de vários ativos, como taxa de juros,
dólar e commodities agrícolas. O mercado de juros é um dos mais líquidos
– ou seja, um dos que registram os maiores volumes de negociação. Cada
contrato tem valor de face de R$ 100 mil. Ou seja, acertar na mosca uma
decisão que quase ninguém esperava pode significar fortunas.
Nas contas de um operador, os quase 8 milhões de contratos negociados
às vésperas do Copom de agosto do ano passado significaram que cerca de
R$ 400 milhões trocaram de mãos na ocasião. Ou seja, alguns ganharam e
outros perderam o equivalente a esse valor.
Um economista observa que o problema não se resume a uma eventual
vantagem obtida por alguns “players” de mercado. Ele lembra que a menor
confiança no mercado futuro de juros prejudica agentes econômicos que
dependem dessas taxas para o dia a dia de seus negócios.
É no mercado futuro que se formam as taxas de juros efetivamente
cobradas pelas instituições financeiras. Ou seja, uma falha na formação
dessas taxas pode distorcer os custos de financiamento para empresas e
pessoas físicas no País.