Finalmente um juiz teve coragem de dizer não para a outrora respeitável Securities and Exchange Commission (SEC) e um de seus cômodos acordos empresariais. E como se isso não fosse novo o suficiente, esse indivíduo atreveu-se a fazer uma série de perguntas à SEC sobre a maneira como ela conduz seus negócios. Acontece que ele recebeu um monte de respostas embaraçosas sobre as investigações do governo sobre o Bank of America que a SEC não pretendia contar ao resto de nós.
Esse jurista que ficou louco, e que agora virou um tipo de herói, é o juiz distrital dos Estados Unidos Jed Rakoff. Mas antes de prosseguirmos preciso contar uma história rápida sobre outro juiz, este do Tribunal Distrital em Hartford, Connecticut.
Seu nome é Robert Chatigny. Em 4 de agosto ele foi designado para cuidar de um termo de compromisso que a SEC deu entrada na Justiça naquele dia contra a General Electric (GE). Sob os termos do acordo, a GE concordou em pagar US$ 50 milhões do dinheiro de seus acionistas para colocar um fim nas alegações da agência de que havia cometido uma fraude contábil. A SEC não apontou ninguém como réu. E não sabemos se vai fazer isso um dia. Chatigny aprovou o acordo seis dias depois, sem nenhuma audiência e questionamento. A GE não admitiu nem negou as acusações.
É assim que os casos da SEC normalmente correm. E pense só em quanto mais nós, o público – e certamente os acionistas da GE – mereceríamos saber sobre essa suposta fraude! Quem na companhia a cometeu? Por que a SEC não processou essa pessoa, ou pessoas? A SEC sabe quem elas são? Por que elas não estão pagando multas dos próprios bolsos? Por que Chatigny não fez esse tipo de perguntas?
Tentei falar com Chatigny dias atrás. Seu advogado disse que ele não faria comentários sobre o assunto. Parece que o nosso Rakoff é um tipo diferente de juiz. Ele tem a SEC e o Bank of America em baixa estima.
Um dia antes do processo da GE, a SEC deu entrada com seu acordo de US$ 33 milhões com o Bank of America no tribunal de Rakoff. A queixa da SEC dizia que a companhia havia mentido para seus acionistas no relatório enviado a eles na tentativa de conseguir aprovação para a compra da Merrill Lynch. O relatório dizia que a Merrill havia concordado em não distribuir bonificações de fim de ano para seus executivos sem o consentimento do Bank of America. O que ele não dizia é que o Bank of America já havia aprovado bonificações de até US$ 5,8 bilhões na Merrill Lynch.
Quem eram as pessoas responsáveis por essa mentira? Quando Rakoff fez essa pergunta, a SEC disse que não sabia e concluiu que não tinha evidências suficientes para tentar incriminar ninguém. De sua parte, o Bank of America disse que não havia mentido e concordou em pagar apenas para não ter a SEC em seus calcanhares. Rakoff sabe que nesse mato tem coelho.
O acordo “não foi justo, nem razoável, nem adequado”, disse ele em uma ordem emitida em 14 de setembro. As partes propuseram que a companhia pagasse US$ 33 milhões do dinheiro de seus acionistas, para por um fim nas alegações, nas quais os acionistas supostamente eram as vítimas. Isso, observou ele, estava acontecendo num banco que recebeu cerca de US$ 40 bilhões dos contribuintes americanos a título socorro financeiro. Em 1º de fevereiro, ele disse às partes que elas deveriam se preparar para um julgamento. (Mas eu suspeito que isso não vai acontecer.)
A parte que me incomoda mais nisso tudo é que a SEC não disse isso ao público desde o começo. No seu comunicado à imprensa de 3 de agosto, sob o título “SEC multa Bank of America por não revelar pagamentos de bonificações na Merrill Lynch”, em que anunciou o acordo, a SEC usou cerca de 450 palavras com todo tipo de detalhes para mostrar o quanto aquilo tinha sido difícil. Ela concluiu com esta sentença sinistra: “A investigação da SEC está em andamento”.
Lembro de ter lido essa frase no dia em que o comunicado foi divulgado e de ter pensado que ela deixava aberta a possibilidade de a SEC perseguir algumas pessoas reais mais tarde por causa dessas mesmas alegações. Pela aparência exterior, a única coisa em que a SEC estava se concentrando era a não divulgação desses pagamentos de bonificações. Sabemos agora pelas respostas da SEC a Rakoff, que a comissão já havia decidido não processar ninguém ou dar entrada na justiça com queixas adicionais contra a companhia.
Talvez o alcance da investigação da SEC englobe outras coisas relacionadas ao negócio com a Merrill Lynch, caso em que a última linha do comunicado estaria bem precisa, embora de uma maneira ilusória para um leitor leigo. Quando pedi ao porta-voz da SEC John Heine para que explicasse o que a SEC queria dizer quando afirmou que sua investigação estava em andamento, ele não quis responder.
Aconteça o que acontecer, eu, por exemplo, me sinto enganado. Se Rakoff tivesse selado esse acordo sem fazer pergunta, a SEC teria ficado perfeitamente satisfeita em deixar o público com a impressão de que ainda poderia tentar descobrir as pessoas responsáveis por essas supostas violações, quando na verdade essa parte da investigação da SEC estaria encerrada.
Nem consigo entender por que mais juízes – como Chatigny no caso da GE – não fazem à SEC o tipo de perguntas investigativas que Rakoff fez. Historicamente, os tribunais de Justiça sempre trataram a SEC com grande deferência, mas ela não deveria merecer mais o mesmo respeito. Pergunte a qualquer pessoa que perdeu dinheiro com Barnie Madoff.
E agora? Embora a SEC possa apelar, o procurador-geral de Nova York, Andrew Cuomo, está fazendo sua própria investigação. Ele diz que poderá processar alguns executivos graduados do Bank of America, pessoalmente, por supostos lapsos de transparência que a SEC nunca identificou publicamente. Provavelmente a melhor coisa que a SEC tem a fazer é dar o fora.