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18 de abril de 2024A atitude agressiva contra o governo e uma série de manobras para impor seus desejos faz do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma figura controversa, odiado por muitos e herói para outros. O segundo round da votação da proposta de redução da maioridade penal, na madrugada dessa quinta-feira (2), despertou a ira dos deputados derrotados, pela forma como a sessão foi conduzida, mas, para decanos do Legislativo, Cunha jogou muito bem as regras do jogo e mostrou domínio do regimento interno da Casa. “Ele (Eduardo Cunha) tem poder como presidente da Câmara. Mas há exagero dos que perdem. Os que ganham acham que ele está certo. Os que perdem dizem que ele é um ditador”, afirma o deputado Miro Teixeira (PROS-RJ), do alto de sua experiência na Câmara Federal, onde está desde 1971.
O PSOL, partido cujos parlamentares se manifestaram com mais veemência contra Cunha, considerou a votação da emenda aglutinativa um golpe. “Houve aqui uma redução dos direitos democráticos, uma vergonha ao processo legislativo. Nós não vamos legitimar esse processo espúrio do Parlamento”, declarou o líder do partido, deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Humberto Souto (PPS), que foi deputado por 10 mandatos, porém, não se assusta com as atitudes do presidente da Câmara. “Acho que ele é vulnerável, mas é inteligente e está querendo votar as matérias que estão na Casa há muitos anos”, avalia o político de Montes Claros. Souto entende que Cunha teve a percepção de que é bom ficar contra o PT. “Como geralmente os presidentes da Câmara são subalternos, ele não é e está se destacando por isso.” O político, de 81 anos, explica que todos os deputados e partidos têm à disposição um corpo de técnicos com conhecimento do regimento interno e que Cunha não dispõe de nenhuma vantagem.
Miro Teixeira explica que o presidente da Câmara sabe usar o regimento a favor de seus interesses e recorda que o artifício da emenda aglutinativa era usado desde a época do Império e também foi recorrente durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. “Foi com emenda aglutinativa que se resolveram as questões da Previdência Social”, exemplifica Teixeira. Ele avalia, porém, que, após a Assembleia Constituinte, as emendas aglutinativas “caíram na vida”. “Passaram a ser usadas, manuseadas e manipuladas”, entende o deputado. O deputado do PROS foi um dos vários parlamentares que fizeram o alerta de que a emenda aglutinativa defendida por Cunha desobedecia a Constituição. “Não se pode aglutinar matéria já vencida”, destacou.
JURISTAS Logo após a votação, na madrugada dessa quinta-feira, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criticou a manobra de Cunha e escreveu em sua conta no Twitter o que diz o quinto parágrafo do artigo 60 da Constituição: “Matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello seguiu a mesma linha de Barbosa e foi além, em entrevista à Rádio Gaúcha: “O que nós temos na Constituição Federal? Em primeiro lugar, que o STF é a guarda do documento maior da República. Em segundo lugar, temos uma regra muito clara que diz que matéria rejeitada ou declarada prejudicada só pode ser apresentada na sessão legislativa seguinte. E nesse espaço de tempo de 48 horas não tivemos duas sessões legislativas”.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) emitiu nota considerando grave o procedimento adotado pela Câmara dos Deputados e destacou a afronta à Constituição. “Esse é mais um retrocesso para a democracia brasileira. O sentimento de todos os operadores do sistema de infância e juventude hoje é de indignação. Buscar a redução da maioridade penal como solução para diminuição da violência juvenil, sem o profundo e importante debate, trará intangíveis danos à sociedade”, afirmou em nota.
Nessa quinta-feira, o vice-líder do PT, Alessandro Molon (RJ) explicou que o partido recorrerá ao STF. “Não podemos ter uma Casa de leis em que as votações só terminam quando é aprovado o que o presidente quer. Isso não é democracia. Vamos mostrar que esse comportamento reiterado do presidente ameaça a democracia. Toda vez que ele perde, encerrada a votação da noite, reorganiza os partidos conforme suas preferências e refaz a votação até que vença sua posição”, afirmou Molon.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defendeu nessa quuinta-feira que o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), deixe a articulação política do governo assim que o Congresso encerrar as votações do ajuste fiscal. Ele acusou o PT de estar sabotando o peemedebista e disse que o Planalto está equivocado em suas posições perante o Legislativo. “A articulação política está cada hora indo para um caminho equivocado. Michel Temer entrou para tentar melhorar essa articulação política. Está claramente sendo sabotado por parte do PT. Acho até que se continuar desse jeito, Michel deveria deixar a articulação política”, disse Cunha.
Ele rebateu os parlamentares que o acusaram de conduzir um golpe ao colocar em votação uma segunda proposta de redução da maioridade penal, que acabou sendo aprovada pela Casa na madrugada dessa quinta-feira, apenas 24 horas após o primeiro texto sobre o tema ter sido rejeitado. “Isso é choro de quem não tem voto. Choro de quem está entrando na agenda que não é a agenda da sociedade. Aqueles que estão contra a sociedade. Não é à toa que o governo está com 9% de popularidade e está do mesmo tamanho de quem apoia a manutenção da maioridade penal. É um governo desarticulado aqui dentro dessa Casa”, afirmou.
Palavra de especialista*
“O regimento, ou a ‘regra que conduz o jogo’ é flexível de acordo com quem está no comando. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, consegue encontrar brechas e artimanhas que favorecem votações nitidamente contrárias ao interesse do governo. Acredito que a afronta ao governo é uma intenção deliberada de Cunha, pois não vejo o mesmo empenho do peemedebista em assuntos que não alcancem tanta repercussão. O maior poder do presidente da Câmara é ter a prerrogativa de definir a agenda e determinar os assuntos que serão colocados em pauta. Quando o jogo entre os poderes Legislativo e Executivo é bem delineado, geralmente, a agenda é favorável ao Executivo. Quando ambos estão em situação de oposição, se torna um problema.”
*Alexandre Pereira Rocha – doutor em Ciências Políticas e pesquisador da UNB