O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, afirmou ontem, durante reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está disposto a manter as negociações com o Ocidente para o comércio de urânio enriquecido, desde que elas sejam feitas “em bases mais justas”. O presidente iraniano reiterou que o programa nuclear do Irã tem fins pacíficos, mas acusou as nações ocidentais de “quererem empobrecer seu país, retirando o urânio para enriquecê-lo sem vendê-lo de volta depois”. Ahmadinejad também reclamou que a questão nuclear é mais uma desculpa dada por países como os EUA para atacar o Irã. “Esta perseguição acontece há 30 anos”, declarou.
Ao seu lado, Lula defendeu o direito do Irã de enriquecer o urânio para fins pacíficos, mas deixou claro ao presidente iraniano alguns princípios dos quais o Brasil não abre mão. “A política externa brasileira é balizada pelo compromisso com a democracia e o respeito à diversidade. Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou de recurso ao terrorismo.”
Durante a visita, cerca de cem manifestantes – alguns a favor e outros contra o presidente iraniano – empunhavam faixas em frente à sede do Ministério das Relações Exteriores. O grupo favorável a Ahmadinejad era formado por simpatizantes da causa palestina, além de partidários do presidente da Venezuela, Hugo Chávez e da Bolívia, Evo Morales. Os manifestantes contrários ao presidente iraniano eram, sobretudo, integrantes da comunidade judaica, que protestavam porque Ahmadinejad afirmou, tempos atrás, que o holocausto promovido pelos nazistas não existiu.
No Congresso – para onde Ahmadinejad seguiu após o encontro com Lula – novos protestos. Os deputados Marcelo Itagiba (PSDB-RJ) e Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), acompanhados de um sobrevivente do holocausto, estenderam uma faixa com os dizeres “Holocausto nunca mais”. O tucano fluminense é autor de um projeto que torna crime a negação do assassinato dos judeus pelos nazistas. Em nota, a Executiva do Democratas criticou a visita. “O partido entende que a presença de Mahmoud Ahmadinejad no Congresso Nacional seria incompatível com os princípios filosóficos e constitucionais da democracia brasileira.”
Durante visita ao Brasil na semana passada, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, pediu que Lula intercedesse junto a Ahmadinejad para que este parasse de financiar as atividades do Hamas – Abbas é ligado ao Fatah. Três dias antes, Lula recebeu o presidente de Israel, Shimon Peres, que também pediu ao governo brasileiro ajuda para equacionar o conflito no Oriente Médio. “A Peres e a Abbas reiterei a posição brasileira sobre o conflito no Oriente Médio. Defendemos o direito do povo palestino a um Estado viável e a uma vida digna, ao lado de um Estado de Israel seguro e soberano”, disse Lula.
Ahmadinejad elogiou os esforços do presidente brasileiro na busca da paz na região. Disse que também busca o mesmo objetivo, embora tenha sido bastante duro em relação aos países do Ocidente. “Continuamos céticos, porque prosseguem as ocupações militares e as humilhações por parte daqueles que controlam a política no mundo.”
Ele reclamou que os países ocidentais “roubaram” a ideia do Irã sobre as negociações para o enriquecimento de urânio. Segundo Ahmadinejad, o Irã propôs à Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) que França e Rússia comprassem o urânio produzido em território iraniano, enriquecessem a 22% e depois o revendessem ao país. “Primeiro, fizeram propaganda enganosa, dizendo que a proposta foi feita pela agência. Depois, recusaram-se a admitir que respondemos a todas as seis perguntas feitas pela agência atômica em relação ao nosso programa nuclear”, disse o presidente iraniano.
Ahmadinejad teme que os países ocidentais comprem o urânio, façam o enriquecimento e não o revendam, prejudicando as centrais iranianas. “As condições do negócio devem ser definidas por quem compra (no caso, o Irã) e não por quem vende”, reclamou.
O encontro empresarial, realizado no fim da tarde, acabou prejudicado pela longa reunião entre os dois presidentes e respectivos ministros, que durou cerca de três horas. Foi estabelecida uma meta, sem data para ser concretizada, de US$ 10 bilhões na balança comercial entre os dois países – hoje, ela é próxima de US$ 2 bilhões. “Espero que uma nova reunião possa ser mais exitosa, pois temos uma parceria comercial de pouco mais de um século”, disse Lula.
Foram assinados acordos em diversas áreas: mineração, agropecuária, siderurgia, construção naval, indústria petroquímica, turismo, nano e biotecnologia e aeroespacial. “Pretendemos que nossos empresários façam reuniões em São Paulo e no Rio, e propomos a criação de uma linha aérea direta entre Teerã e Brasília”, declarou Ahmadinejad.