A morosidade da Justiça causada pelo excesso de recursos não é único entrave para o combate à lavagem de dinheiro no país. Duas lacunas na legislação brasileira, que dificultam a punição desse tipo de crime, podem contribuir para “rebaixar” a nota do Brasil a ser dada pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI).
De acordo com o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antônio Gustavo Rodrigues, a impossibilidade de punir empresas – e não apenas seus representantes – é uma das falhas da legislação brasileira no combate à lavagem. A ausência é o tema do livro “Responsabilidade Penal das Corporações”, recém-lançado pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo e que atua em alguns dos processos mais importantes que envolvem o meio corporativo gerados por investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal nos últimos anos.
De acordo com De Sanctis, no Brasil há previsão de criminalização de pessoas jurídicas em dois casos: crimes contra o meio ambiente e crimes econômico-financeiros e contra a economia popular. Este último, no entanto, apesar de previsto na Constituição de 1988, nunca chegou a ser regulamentado – ao contrário do que ocorre em outros países, como Estados Unidos, França e Inglaterra.
Um dos argumentos apontados pelo juiz é o princípio da igualdade entre a pessoa física e a pessoa jurídica – o dirigente da empresa pode ser punido por um crime que cometeu em favor da empresa, mas esta não sofre qualquer tipo de sanção na esfera penal. Segundo De Sanctis, a punição penal das empresas, sem prejuízo da punição de seus dirigentes, pode ocorrer na forma de suspensão temporária de atividades, intervenção na sociedade, penas de prestação de serviços e até mesmo dissolução da sociedade.
A segunda lacuna da legislação brasileira no que se refere à lavagem de dinheiro é a criminalização do financiamento do terrorismo. Segundo Antônio Gustavo Rodrigues, apesar de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo da Organização das Nações Unidas (ONU), até hoje não aprovou uma lei que preveja como delito o fato de uma pessoa destinar ou receber recursos que sejam usados em atos de terrorismo.
Ele afirma que o fato de, no Brasil, não haver ações terroristas não significa que não há financiamento do terrorismo, “que pode ser meio de dinheiro lícito ou ilícito”. E conta o caso de uma pessoa que vivia no Brasil e que, por intermédio de negócios que mantinha em um país vizinho, enviou dinheiro para uma organização criminosa que praticava atos de terrorismo listada pela ONU. Segundo Rodrigues, já foi elaborado um anteprojeto de lei para criar o novo tipo penal, que não avançou. A saída foi a inclusão de um dispositivo no projeto que altera a Lei de Lavagem de Dinheiro, em tramitação na Câmara dos Deputados.