Seis multinacionais brasileiras que foram à Justiça para tentar afastar autuações milionárias aplicadas pela Receita Federal do Brasil por descumprirem uma instrução normativa foram derrotadas pelo fisco na primeira instância da Justiça federal. A norma – a Instrução Normativa nº 243, de 2002, que trata de preços de transferência – foi contestada por empresas de setores como farmacêutico, químico, automobilístico e de eletroeletrônicos. De acordo com a defesa das companhias, que brigam tanto na Justiça quanto na instância administrativa de discussões tributárias, a instrução normativa, ao desconsiderar o valor agregado aos produtos importados no cálculo de suas margens de lucro, acaba aumentando a carga tributária das empresas que importam insumos para fabricar produtos no Brasil.
As regras do preço de transferência devem ser seguidas por empresas que têm coligadas no exterior ou fazem operações com outras empresas localizadas em paraísos fiscais. O objetivo das normas é evitar que o lucro que deve ser tributado no Brasil seja disfarçado de exportação e remetido para o exterior para que, sobre ele, não incida Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O cálculo do preço de transferência para fins de tributação pode ser feito pelo método do preço de revenda menos lucro (PRL) – o mais utilizado pelas empresas brasileiras. Segundo a Lei nº 9.959, de 2000, pelo método PRL, quando o produto é importado para ser usado na industrialização no Brasil, e não diretamente para revenda, o preço de transferência é a diferença entre o valor da participação do bem importado no preço de venda do bem produzido menos a margem de lucro de 60%. A Instrução Normativa nº 243, no entanto, exclui do cálculo o correspondente à participação do bem importado, o que aumenta o lucro a ser tributado e, consequentemente, os tributos a recolher. “Ao desconsiderar o valor agregado, o novo cálculo faz com que a empresa passe a ter que agregar margem de lucro de 150% , o que tornaria o negócio impossível”, critica o tributarista Luis Eduardo Schoueri, do escritório Lacaz Martins, Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.
As empresas autuadas foram as que optaram por seguir o cálculo imposto pela Lei nº 9.959, na época em que a instrução normativa entrou em vigor. Escritórios de advocacia orientaram as empresas a seguir a legislação e não a instrução normativa, inclusive por meio de pareceres que constam do balanço dessas companhias para confortar seus acionistas e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Como o fisco tem cinco anos para cobrar um tributo devido, costuma deixar as autuações para o fim do prazo, o que aconteceu em dezembro do ano passado em relação a 2003. No início do ano, os advogados começaram a apresentar ao fisco a defesa das empresas autuadas, muitas vezes em milhões de reais cada.
Nas defesas já apresentadas na primeira instância administrativa, as multinacionais argumentaram que a Instrução Normativa nº 243 inovou ao trazer uma redação diferente da legislação. Segundo a tributarista que representa quatro dessas empresas, Luciana Rosanova Galhardo, do escritório Pinheiro Neto Advogados, por ser uma norma secundária, a inovação não deve ser aplicada. Para a advogada, essa é uma tese muito boa para ir a juízo direto – dispensando a discussão na esfera administrativa – porque a ilegalidade é gritante. “Mas como o tema é baseado em metodologias técnicas, recomendamos primeiro ir ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (antigo Conselho de Contribuintes), que é mais técnico”, avalia Luciana.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ainda não analisou o tema. Mas segundo o advogado Celso Costa e Diego Marchant, sócio da banca Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, há vários julgados no sentido de afastar a possibilidade de inovação da legislação por meio de uma norma administrativa. Em um deles, a Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes decidiu que, se não há lei que limite o uso do método PRL para bens importados que são manufaturados no Brasil, a Receita não pode impor isso por meio de uma instrução normativa, que é subordinada à lei.
Autuações contra seis multinacionais que somam R$ 500 milhões, relativas apenas a atividades realizadas em 2003, ano em que a Instrução Normativa nº 243 entrou em vigor, estão em jogo no Lefosse Advogados. O tributarista Ricardo Bolan, sócio da área tributária do escritório, apresentou as defesas das empresas referentes a essas autuações em janeiro. Bolan alega que seus argumentos principais são violação ao principio da legalidade porque a instrução viola a lei, e fere o espírito da lei. “Isso porque, ao aumentar a margem de lucro para empresas que importam insumos para a fabricação de produtos no Brasil, a norma acaba estimulando a importação de produtos do exterior, desincentivando a indústria brasileira”, explica o tributarista.
O fisco argumenta, em suas defesas, que a Lei nº 9.959 não afasta de maneira clara a interpretação que lhe é conferida pela Instrução Normativa nº 243, norma que não viola o principio da legalidade.