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18 de abril de 2024No julgamento do tema repetitivo nº 1.076, finalizado no último dia 16, fixou-se a seguinte tese proposta pelo ministro relator Og Fernandes:
1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nestes casos a observância de percentuais previstos nos parágrafos 2º e 3º do artigo 85 do CPC, a depender da Fazenda Pública na lide, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: a) da condenação, b) do proveito econômico obtido, c) do valor atualizado da causa.
2) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório. b) o valor da causa for muito baixo.
Sem dúvida uma vitória para a advocacia.
Entretanto, do ponto de vista técnico permanecem algumas questões em aberto, tanto do ponto de vista infraconstitucional, quanto do ponto de vista constitucional.
Do ponto de vista legal, a discussão não resolve algumas incongruências que podem ser geradas pela própria sistemática do Código de Processo Civil.
Para citar como exemplo, imaginemos uma ação hipotética de imissão na posse. Nesta hipótese, como em inúmeras outras ações, o artigo 292 não define critério para mensuração do valor da causa. Na prática forense, os tribunais acabam aplicando nesse caso, por analogia, os incisos II e muito forçadamente o inciso IV:
\”II – na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida;
IV – na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido;\” (artigo 292, CPC).
Embora a ação tenha natureza real, o objeto/bem tutelado buscado nesta ação é a posse.
A posse em si mesma, obviamente possui valor econômico. Entretanto, não o mesmo valor econômico da propriedade.
Agora, imagine que o Autor desta ação de imissão na posse sagra-se vencedor, cujo valor da causa tenha sido arbitrado em um milhão, valor do imóvel. Os honorários fixados seriam de no mínimo 10% sobre o valor da causa, numa ação entre particulares (artigo 85, §2º).
Com todo o respeito aos colegas advogados, não parece justo o valor de honorários de 100 mil reais, numa ação que busca a simples posse, ainda mais se o processo for de menor complexidade, não envolver logo tempo de trabalho, nem tiver fase instrutória etc.
A incongruência, nesse ponto de vista, não é gerada simplesmente pela aplicação ou não do artigo 85, §8º do CPC de forma extensiva ou restritiva, mas pela mensuração/arbitramento ao valor da causa. Nesses casos, seria recomendável a fixação de honorários por equidade; mas não em razão do artigo 85, §8º, somente, mas pela aplicação do artigo 8º do CPC: \”Artigo 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência\”, artigo inclusive citado pelo voto divergente da ministra Nancy Andrighi no julgamento do tema 1.076.
Alguns poderiam argumentar que basta então o Juízo, de ofício, arbitrar valor da causa em patamar menor. Porém, com que critério, se nem o artigo 292 do CPC o faz? Seria como reduzir os honorários de forma equitativa pela via transversa. O debate não pode ser encoberto, ele deve ser resolvido.
Como bem lembrado pela douta ministra Nancy Andrighi em seu voto divergente, os honorários devem refletir de forma proporcional e razoável a remuneração do trabalho do advogado, e não ser fonte punitiva do litigante irresponsável ou da advocacia predatória, pois o sistema ele próprio já possui mecanismos a coibir este tipo de prática, como as penas da litigância da má-fé, para citar como exemplo. Muito menos deverão ser fonte de enriquecimento ilícito, princípio geral do direito.
Este exemplo, o da imissão da posse, é um entre muitos outros em que a fixação de honorários desproporcionais poderá ocorrer em razão da ineficiência do Código de Processo Civil em dar diretrizes objetivas para fixação de valor de causa, como as ações possessórias em geral, por exemplo. E não se está a criticar o código, posto que esse mister, de elencar todas as hipóteses possíveis de fixação de valor de causa, é tarefa impossível. Em verdade, trata-se de uma problemática irresolúvel do ponto de vista de se criar um critério objetivo, estanque e anterior do ingresso da ação. Tal problemática somente é respondível pela possibilidade de se fixar honorários equitativos em causas exorbitantes, para correção de um problema sistemático da lei. E, tal resolução, mesmo que desagradável para alguns, somente pode se dar por critérios subjetivos, conforme as peculiaridades do caso concreto. A fixação de critério objetivo cria, na verdade, risco de injustiça e desigualdade, inclusive do ponto de vista constitucional, conforme falaremos abaixo.
Outrossim, verifica-se que o debate levado à corte superior não levou em consideração essas e outras circunstâncias — digo \”outras\” porque não há como esgotar o tema neste simples artigo —, circunstâncias essas que ultrapassam a mera discussão de interpretação extensiva ou restritiva do artigo 85, §8º do CPC.
Tal matéria certamente poderá ser objeto de questionamento em recursos futuros em outros processos, com novos argumentos e problemáticas, ainda que leve anos para reapreciação da corte, ou por embargos de declaração nos processos afetados ao repetitivo em questão.
Por outro lado, como também lembrado no voto divergente, a questão Constitucional ainda pende de resolução.
Muito bem lembrado pela ministra Nancy o cotejo entre o artigo 5º, XXXV da CF e o artigo 85, §2º, 3º e 8º do CPC.
Citando a célebre obra de Mauro Cappelletti, \”Acesso à Justiça\”, a douta ministra memora que em países que adotam o princípio da sucumbência, o custo do processo é cerca de duas vezes maior, se comparado a outros países que adotam sistemas diversos.
Nessa via, criar de forma objetiva e estanque um critério prévio ao caso concreto para fixação de honorários em causas exorbitantes, é criar impedimento do acesso à justiça para os litigantes que tenham causas de valor elevado. Como bem lembrado pela Ministra, nenhuma causa tem garantia de sucesso, por melhor que seja.
Desse modo, criar-se-ia até mesmo certa discriminação, em que os litigantes com causas elevadas podem ser excluídos do sistema jurisdicional, pelo simples temor e receio de acabar tendo de pagar custas elevadíssimas do processo, pela simples incerteza que uma ação judicial guarda.
É nessa via que, entre outros argumentos (vedação ao retrocesso social, devido processo legal constitucional, entre outros citados pela ministra no voto divergente), pela ótica constitucional, a lei mereceria uma interpretação conforme a Constituição, para que seja possível a fixação de honorários equitativos em causas de valor exorbitante.
De se lembrar, ainda, que no ACO 2.988, em decisão recente do STF, deu-se provimento a um embargos de declaração para baixar os honorários fixados outrora em 7,4 milhões para dez mil reais, por equidade. Foi parte a Fazenda Pública. A notícia foi veiculada pela ConJur em 21 de fevereiro de 2022.
Não se está a desmerecer a advocacia. Pelo contrário, é louvável o mister do advogado, mas a remuneração deve ser justa e razoável. Compatível com a causa e com o trabalho. Numa ação de imissão na posse, lembrando o exemplo acima, o proveito econômico do advogado poderia ser maior do que o próprio bem buscado pelo cliente no processo. O direito não admite tal incongruência. Não por uma questão legal de se interpretar extensiva ou restritivamente o artigo 85, §8º do CPC, mas por uma questão de princípio, qual seja, o da vedação ao enriquecimento ilícito.
Embora deixar aos juízes a subjetividade de mensurar o valor dos honorários seja pernicioso, é certo que, assim como a problemática dos danos morais, a doutrina pode (e deve), assim como a jurisprudência, criar balizas e critérios a serem seguidos. Mais certo ainda, que o critério adotado pela lei e agora pelo STJ pode causar distorções e injustiças, tanto como a fixação de honorários aviltantes aos advogados.
Disso que concluímos: o debate não acabou. Longe disso, apenas começou.