A arrecadação tributária deverá perder ritmo com a desaceleração da economia. Com a receita pressionada pela necessidade de expansão dos investimentos públicos, o estado terá de arbitrar seus compromissos. Neste processo, a preocupação do governo federal em preservar recursos para saldar os encargos da dívida pública se torna mais evidente.
A decisão de privilegiar o pagamento dos juros era ostensiva nos dois mandatos anteriores e se tornou patente no governo atual, na avaliação do professor Adriano Henrique Rebelo Biava, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (Fea-USP). “Não tem nada de técnico. Enfrentar os credores é uma decisão política”, comenta. Na avaliação do economista, esta opção ocorre em um momento em que “há um espaço muito grande para negociação, sem calote”, afirma o economista. “Quem está dando calote é o setor privado, os bancos norte-americanos e as empresas que emprestaram indevidamente.”
Na última revisão orçamentária, o governo decidiu manter a meta de superávit primário, a economia feita para o pagamento dos juros da dívida, em 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). E sinalizou que pode usar o mecanismo de direcionar gastos equivalentes a 0,5 ponto do PIB para o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) projetos prioritários, levando a meta a 3,3%.
Na última sexta-feira, uma fonte da Presidência da República disse à Reuters que o governo deve esperar até o final de maio para definir eventuais cortes na meta de superávit primário para 2009. O objetivo é observar o comportamento da arrecadação, que caiu 9% no primeiro bimestre do ano, nos próximos dois meses. “A chance de atingir um superávit de 3,8% do PIB é zero. Mesmo que o governo use o PPI, não cumprirá essa meta”, diz Fernanda Feil, economista da Rosenberg & Associados.
A saída “mais honesta” para o governo é redução da meta de superávit primário. Fernanda lembra que o País passou por um longo processo para ajustar as contas públicas e conquistar credibilidade no mercado. “E se ele não se adequar à nova realidade pode ter essa credibilidade abalada”, afirma.
A previsão do governo para a arrecadação de 2009 é muito otimista, já que é baseado em crescimento de 2% da economia, reforça Clovis Panzarini, sócio-diretor da CP Consultores Associados. “Não tem milagre. O governo terá de rever o custeio, adiar investimentos e mexer mais forte no superávit primário. Meio ponto não resolve”, diz.
Segundo os cálculos da Rosenberg, a queda de arrecadação será R$ 50 bilhões superior aos R$ 48 bilhões estimado pelo governo no orçamento em relação à previsão anterior. As projeções consideram um crescimento de 0,8% do PIB em 2009, com uma queda real na arrecadação federal de cerca de 4%. O superávit primário ao final do ano é estimado pela consultoria em 2,8% do PIB. “Com isso, teremos um déficit nominal de 3,2% e dívida líquida de cerca de 38% do PIB, o que é alto. Em 2008, o déficit ficou em 1,5% e a dívida em 35,8%. No entanto, temos de considerar essa nova realidade. O Brasil é um dos poucos países com déficit sob controle”, diz Fernanda, acrescentando que nos Estados Unidos, por exemplo, ele deve saltar para 15% PIB.
Para Fernanda e Panzarini, o governo conta com poucas opções para manter a arrecadação e promover investimentos receita neste ano. Cerca de 90% do orçamento comprometido com gastos obrigatórios, o que dificulta o maior contingenciamento de recursos. “O governo tem de priorizar investimento que multiplique os empregos e, com isso, aumente o consumo e a arrecadação. O superávit tem um multiplicador muito baixo”, comenta o economista da CP Consultores.
Fernanda aponta para a necessidade de uma grande reforma estrutural no sistema tributário. Ela destaca que a atual estrutura é baseada na tributação de produto e consumo, que dependem, portanto, do nível de atividade econômica. O ICMS, com uma fatia de 21% da carga tributária no ano passado, representa a maior arrecadação isolada, seguido pelo Imposto de Renda, a maior parte retido na fonte. Somando impostos e contribuições, 44% da receita correspondem a tributos sobre bens e serviços.
Do ponto de vista tributário, apesar da falta de espaço para aumentar a carga de impostos que ronda 35% do PIB. O governo já suspendeu os concursos públicos e novas contratações e pode deixar de cumprir acordos de recuperação salarial dos servidores públicos. “O investimento muito provavelmente vai cair. A lentidão que é natural do governo será agravada pela falta de arrecadação e por todas as mudanças que ocorreram no cenário internacional, que produziram reflexos no País”, disse Biava, da FEA.
Entre as alternativas para aumentar a receita apontadas pelo professor, constam mecanismos como a da contribuição de melhoria. Este tributo, pouco aplicado, poderia ser cobrado dos proprietários de imóveis que seriam valorizados com a construção de obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de investimentos realizados por estados e municípios, declara Biava. Segundo dados da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, a receita total de impostos, referente a janeiro de 2009, somou R$ 8,6 bilhões e a cobrança de contribuição de melhoria correspondeu a R$ 146,77.