O governo dos Estados Unidos vai assumir a maior parte dos riscos embutidos no programa que lançou ontem para limpar os balanços dos bancos americanos e restaurar a confiança no sistema financeiro, num esforço para assegurar a participação de investidores privados cujo envolvimento considera crucial para o sucesso da iniciativa. O Tesouro dos EUA apresentou ontem detalhes do novo programa, que espera mobilizar até US$ 1 trilhão em recursos públicos e do setor privado para adquirir hipotecas, empréstimos com pagamento em atraso e outros ativos problemáticos que azedaram nos cofres dos bancos e há meses comprometem sua capacidade de oferecer crédito.
Detalhes importantes para a execução do plano ainda estão indefinidos e há dúvidas sobre suas chances de êxito, mas as primeiras reações dos investidores foram positivas. As bolsas de valores chegaram ao fim do dia em alta no mundo todo. Gestores de fundos de investimento interessados em participar do programa aplaudiram a iniciativa. O plano prevê que o Tesouro se associará a investidores privados para criar fundos que comprarão ativos podres dos bancos e passarão a administrá-los sob a supervisão do governo. Livres desse entulho, os bancos poderiam então reconquistar a credibilidade que perderam na crise, receber novas injeções de capital e voltar a fazer empréstimos. “Você não tem como resolver uma crise financeira sem o governo assumir risco”, afirmou o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ao apresentar o plano. Ele disse que a participação do setor privado permitirá que o programa seja executado com mais eficiência e atenuará os riscos que o governo correria se agisse sozinho.
O banco que quiser se livrar de ativos problemáticos terá que identificá-los e submetê-los à análise do governo. Se eles forem aceitos, será organizado um leilão para que os investidores privados interessados em adquirir os ativos digam quanto estão dispostos a pagar. Vencerá o leilão quem fizer a melhor oferta. Na montagem dos fundos que absorverão os ativos, o Tesouro contribuirá com um dólar para cada dólar de capital que seus parceiros privados depositarem. Além disso, o governo oferecerá garantias para ajudar o fundo a se financiar, permitindo que ele tome emprestado na praça até seis vezes o valor do seu capital.
Os investidores privados terão controle sobre a gestão dos fundos, mas o governo promete vigiá-los de perto. Se os ativos adquiridos se valorizarem, o governo e os investidores poderão recuperar o investimento e lucrar depois de alguns anos. Se as coisas derem errado, o prejuízo do governo tende a ser muito maior que o dos seus sócios privados. Na prática, a exposição do governo poderá alcançar 93% do patrimônio desses fundos, somados o investimento direto do Tesouro e as garantias, que serão oferecidas pela Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC, na sigla em inglês), a agência governamental que protege os correntistas americanos.
O Tesouro diz que poderá investir até US$ 100 bilhões para capitalizar esses fundos. Se os investidores privados puserem na mesa outros US$ 100 bilhões, o governo precisará oferecer US$ 800 bilhões em garantias para alcançar a meta de US$ 1 trilhão estabelecida para o programa. O Tesouro também anunciou que contratará pelo menos cinco gestores privados para constituir fundos voltados para outro tipo de ativo problemático que circula na praça, títulos associados a hipotecas e outros empréstimos descuidados feitos pelos bancos. Esses fundos poderão receber até três dólares para cada dólar de capital injetado por investidores privados.
Além disso, o Tesouro promete ampliar um programa lançado junto com o Federal Reserve, o banco central americano, para estimular novos empréstimos para empresas e consumidores. Parte do dinheiro disponível para esse programa também poderá ser usado para adquirir hipotecas antigas, em condições que deverão ser detalhadas em breve. A venda desses ativos obrigará os bancos a contabilizar prejuízos decorrentes da diferença entre seu valor contábil e o que eles conseguirão com o programa do governo. Depois de meses acumulando centenas de bilhões de dólares em prejuízos, eles precisarão de mais dinheiro para cobrir as novas perdas e reforçar suas reservas de capital.
A aposta do governo é que os novos fundos ajudarão a estabelecer um valor pelo qual os bancos aceitarão se desfazer desses ativos. Como os investidores privados receberão subsídios generosos do governo na criação dos fundos, eles terão um incentivo para oferecer pelos ativos dos bancos mais do que o mercado pagaria em condições normais.
O Tesouro investiu nos últimos meses US$ 238 bilhões para capitalizar bancos em apuros e é provável que precise gastar mais. Mas o governo acredita que, se os novos fundos funcionarem, investidores privados voltarão a se sentir seguros, tornando dispensáveis novos aportes de recursos públicos.