A valorização contínua do real em relação ao dólar, que está inquietando a equipe econômica, fez renascer na área técnica do governo o debate sobre o uso do Fundo Soberano do Brasil (FSB) para reforçar o processo de compra de dólares no mercado. O assunto não está pacificado no governo e nem mesmo no próprio Ministério da Fazenda, onde há defensores e críticos da proposta de colocar o Tesouro Nacional, responsável pelo FSB, para comprar dólares.
A ideia original da Fazenda, quando começou a trabalhar no FSB, no início do ano passado, era enfrentar o problema da apreciação cambial, já que o dólar chegava à casa de R$ 1,56. O governo, porém, foi atropelado pela alta da inflação e o FSB ganhou então uma natureza fiscal, de modo a inibir um aumento mais forte dos juros pelo Banco Central (BC).
Com o Fundo, a Fazenda aumentou a meta fiscal de 2008 em 0,5 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB). O papel cambial, que ficou em segundo plano, foi esquecido com a crise internacional, que jogou o dólar para cima de R$ 2. Agora, diante da reversão do processo, o debate volta à tona.
O uso do FSB, inclusive para aquisição de dólares, depende de regulamentação, que ainda está na área técnica da Fazenda. A ideia não prevê a criação de um novo fundo soberano com esse objetivo, mas regulamentar o FSB já existente. A discussão é se seria eficiente colocar o Tesouro para fazer papel semelhante ao realizado pelo BC.
Entre os defensores da ideia, avalia-se que o Tesouro poderia comprar dólares e retirar os reais dados em troca ao mercado com emissão de dívida de longo prazo, a chamada “esterilização”. Hoje, para isso, o BC tem que fazer operações compromissadas – venda de títulos com compromisso de recompra no futuro – para enxugar os reais adicionados à economia com a compra de dólares. Essas operações do BC elevam o endividamento público, mas com um perfil de pior qualidade para a dívida, já que são operações de prazo curto e muito vinculadas às oscilações da taxa básica de juros.
Quem apoia a proposta de usar o FSB para comprar dólares ressalta também que Tesouro e BC atuando juntos podem elevar o grau de “surpresa” das intervenções do governo no mercado, fator que tenderia a conter especulações cambiais. Por outro lado, quem não gosta da ideia lista motivos como a falta de experiência do Tesouro no dia a dia do mercado de câmbio – ou seja, capacidade para atuar e diminuir a volatilidade das cotações.
Há também o risco de essas operações prejudicarem o alcance dos objetivos da gestão da dívida pública mobiliária. Isso porque o Tesouro passaria a fazer dívida também por conta da atuação no câmbio, dividindo com o BC a atribuição de gestão da política cambial. Aliás, nos últimos dias, tem sido percebida uma postura mais “agressiva” da autoridade monetária no mercado de câmbio, como vinha cobrando o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O professor da PUC-SP e especialista em comércio exterior Antônio Corrêa de Lacerda apoia o uso de Fundo Soberano para conter a valorização do real, pois isso “poderia evitar a entrada de muitos dólares”, uma vez que haveria outro agente enxugando o fluxo de moeda estrangeira. Segundo ele, a moeda brasileira não está se fortalecendo somente ante o dólar, mas ante a maioria das moedas dos parceiros comerciais do País. A acumulação de reservas, a despeito do custo fiscal que gera – por conta da emissão de dívida para o enxugamento dos reais -, vale a pena do ponto de vista macroeconômico.
Segundo Lacerda, a valorização do real e a volatilidade cambial prejudicam as decisões empresariais e criam um ambiente propício à arbitragem – operações que se aproveitam das diferenças de preços entre os mercados -, em um ciclo negativo que se autoalimenta. Lacerda afirma ainda que o governo tem como agir além da compra de dólares.
Para o economista, diante de uma certa deflação mundial gerada pela crise, há espaço para que o BC trabalhasse com juros menores, que reduziriam o diferencial de taxas que atrai capital externo especulativo. Para ele, poderiam ser adotadas ainda medidas tributárias que desestimulassem manobras especulativas no mercado cambial.