A Fazenda Nacional reverteu a seu favor decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – órgão que julga os recursos dos contribuintes contra autuações fiscais federais – envolvendo planejamentos tributários. As empresas foram derrotadas em pelo menos quatro casos. Para advogados que atuam no órgão, a nova estrutura criada para o antigo Conselho de Contribuintes influenciou na mudança de entendimento. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) descarta, no entanto, a tese dos defensores e afirma que a alteração no posicionamento do Carf “faz parte do jogo”.
A estrutura do antigo Conselho de Contribuintes – hoje Carf – foi alterada em dezembro de 2008. Cada câmara julgadora era formada por oito conselheiros – quatro deles representavam o contribuinte e outros quatro o fisco. Hoje, continua a paridade, mas as turmas são formadas apenas por seis conselheiros. Desde então, passou a ser grande a expectativa dos tributaristas sobre o julgamento de disputas em curso e ainda não pacificadas.
Em um dos casos em que houve mudança de entendimento a favor do fisco, a Bunge buscava abater integralmente do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) o prejuízo resultante da incorporação de outra empresa. A 1ª Seção, por voto de qualidade – que é o desempate pelo representante da Fazenda -, decidiu que não há previsão legal para a operação. Segundo advogados, o conselho vinha decidindo de forma contrária e a decisão os surpreendeu.
Em outro caso, o Carf alterou o prazo durante o qual é possível pedir restituição tributária. A 3ª Turma da Câmara Superior do órgão decidiu que este prazo vence cinco anos após o recolhimento indevido. Até então, o órgão entendia que o prazo era de até cinco anos após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tenha declarado a inconstitucionalidade da cobrança.
O coordenador dos trabalhos da PGFN no Carf, Paulo Riscado, reconhece que, em alguns casos, houve mudança de jurisprudência em consequência da alteração na composição do órgão. Mas defende que isso “faz parte do jogo”. O procurador lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) também mudou seu entendimento em relação ao ICMS na base de cálculo da Cofins. “A questão era pacífica, mas o Supremo resolveu reabrir a discussão”, diz Riscado.
O novo Carf tem adotado posições muito fiscalistas ao mudar seu entendimento em casos importantes, segundo a advogada Luciana Rosanova Galhardo, do escritório Pinheiro Neto Advogados. “Mas quero acreditar que isto é só uma fase. Espero que a médio ou longo prazo tudo volte a se normalizar, com equilíbrio entre fisco e contribuinte”, diz.
Alguns advogados se dizem apreensivos com as mudanças recentes, mas preferem não se identificar com medo de retaliações dentro do conselho. O advogado Cássio Sztokfisz, do escritório Souza, Schneider, Pugliese, Sztokfisz e Custódio Advogados, afirma que, de fato, há muitas decisões em sentido diverso. Mas, para ele, ainda é cedo para dizer se as decisões atuais mostram uma nova linha do conselho. “Também é difícil analisar porque os resumos das decisões do conselho continuam a não ser publicados na internet”, afirma Sztokfisz.
Em outros dois casos de planejamento tributário, o Carf decidiu por condenar as empresas a pagar o tributo devido, mais a multa agravada em 150%. Isso sem haver provas de fraude, mas indícios de simulação, segundo os conselheiros. Antes, o conselho havia decidido a favor das empresas.
Em um dos casos, uma empresa emitiu debêntures para controlada que pagou um prêmio de 1.500% sobre o valor nominal dos títulos. Com a incorporação da emissora das debêntures pela debenturista, o prêmio passou a ser ágio. A empresa, então, usou o ágio para deduzir despesas e pagar menos IR. Embora a empresa tenha defendido que havia objetivo empresarial e que a operação não foi realizada só para economizar tributos, os conselheiros julgaram ter havido simulação relativa e, ao contrário da decisão anterior, impuseram a multa agravada.
Sobre a aplicação de multa agravada, Riscado defende que não houve mudança de jurisprudência. Segundo o procurador, anos atrás o conselho permitia esse tipo de planejamento tributário. “Mas esse entendimento foi alterado antes do novo Carf existir”, diz. Para o advogado Vinícius Branco, do escritório Levy & Salomão Advogados, decisões que alteram a jurisprudência favorável ao contribuinte, quando o assunto é planejamento tributário, realmente vêm sendo proferidas há anos. “As decisões recentes só mostram que o novo Carf continua com essa tendência negativa”, afirma o advogado. Assim, o planejamento tributário continua ser aceito pelo conselho apenas se estiver evidente o conteúdo econômico da operação.
E podem haver novas mudanças jurisprudenciais em breve. Cerca de 40 novos conselheiros deverão ser eleitos. A escolha será feita pelo comitê de notáveis, criado junto com o Carf, formado por representantes da Fazenda, confederações empresariais e sindicatos. “O comitê é relevante porque representantes da Fazenda também passarão por sua análise”, afirma o tributarista Eurico Marcos Diniz de Santi, representante das confederações. Ainda não há data definida para as eleições.