Na contramão supostamente pessimista da alta, o mercado de juros futuros desconfia que o plano do Tesouro americano anunciado ontem para limpar as carteiras dos ativos podres pode dar certo. Este plano, já que Barack Obama não fará mesmo a estatização, é o melhor que pode ser feito nas atuais circunstâncias. O Tesouro concederá subsídios (empréstimos a juros baixos) generosos, no valor de até US$ 1 trilhão, para que os “abutres” – fundos especializados em rentabilizar ativos em estado avançado de putrefação – absorvam os papéis. A lógica é de que, livres da carniça, os grandes bancos poderão voltar a emprestar, movimentando a economia. Foi por isso que as Bolsas de Valores dispararam, o risco-Brasil recuou 3,3%, a 409 pontos-base, o dólar comercial desvalorizou-se 0,79%, para R$ 2,2460, e a aversão global a risco diminuiu. Mas os juros subiram no mercado futuro. Contradição?
Na verdade, não. Se o Programa de Investimento Público-Privado elaborado pelo secretário do Tesouro Timothy Geithner funcionar, a economia dos EUA poderá sair da recessão ainda este ano. Nessa hipótese, o Brasil sai antes. Os cem analistas pesquisados pelo Focus reduziram sua estimativa de PIB para 2009 de 0,59% para 0,01%. Esta estagnação não vingaria na realidade se os EUA conseguissem infundir confiança à demanda agregada global. A atividade brasileira sofre hoje unicamente como reflexo da adequação da demanda doméstica à contração global. E se a economia mundial recuperar-se, via crédito, os canais brasileiros reagirão rapidamente. É por isso que o pregão de juros da BM&F reage à euforia com alta. O raciocínio é o de que o Copom voltaria a atuar cautelosamente, diminuindo o ritmo de declínio da taxa de juros. Trata-se da vingança dos “comprados” em juros futuros. Elas não são os investidores que apostariam na alta da Selic, ninguém é tão maluco assim. A posição “comprada” consiste, na verdade, na aposta de que a taxa básica cairá menos do que está sendo previsto pela média do mercado.
O Focus divulgado ontem diminuiu de 9,75% para 9,25% a Selic esperada para o fim do ano. Desde ontem, o DI futuro coloca tal projeção sob suspeição, pois se os EUA persistirem melhorando a tendência é de o Copom não repetir na reunião de 29 de abril o corte de 1,5 ponto aplicado à taxa básica no encontro de 11 de março. As estimativas de Selic do Focus se apóiam no prognóstico de que o IPCA para 2009 e para os próximos 12 meses acumulará taxas inferiores ao centro da meta de inflação, de 4,5%. Para o ano-calendário atual, a expectativa recuou de 4,52% para 4,42%. E, para os próximos 12 meses, de 4,34% para 4,26%. Dada a dinâmica da crise, como o pregão de DI futuro está sempre à frente do Focus e do BC, as projeções avançaram ontem. A taxa para a virada do ano avançou de 9,57% para 9,73%. O CDI para janeiro de 2011 subiu de 9,95% para 10,13%. A taxa longa, para janeiro de 2012, evoluiu de 10,50% para 10,56%. O swap de 360 dias ainda manteve o viés de baixa e caiu 0,06 ponto, para 9,64%. Descontada a inflação de 4,26% prevista pelo Focus para o mesmo período de vigência do contrato, este promete um juro real de 5,16%, novo recorde de baixa desde a instituição do regime de metas de inflação, em 1999.
Nada garante, por enquanto, que as políticas anticrise serão alteradas. Para atenuar os efeitos sobre a economia brasileira da crise internacional, o governo e o Banco Central desenvolvem políticas contracíclicas, observa relatório da consultoria do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. “A queda dos riscos associados à inflação faz com que o objetivo da política monetária tenha forte componente contracíclica”, diz a AC Pastore & Associados. Para os economistas da consultoria, cresce a probabilidade de que ao final do ciclo de afrouxamento monetário, que será rápido, a taxa Selic caia para perto de 9% ao ano. A política fiscal também tem componente contracíclica. O governo baixou recentemente para 3,3% a meta de superávit fiscal. Essa meta tem baixa credibilidade. Pastore acredita ser mais factível um superávit equivalente a 2,4% do PIB. Tal superávit seria “tolerável” porque mantém estável a relação dívida/PIB. “A componente contracíclica é executada por aumentos de gastos com pouca capacidade de gerar empregos, e alta capacidade de atrair votos”, diz o relatório.
O dólar relutou o quanto pôde no mercado local em acompanhar a tendência externa de baixa. Além dos hedge funds comprados no futuro, seguraram a baixa os bancos detentores de swaps cambiais. Nesta reta final de março, o BC ainda não disse se irá rolar os US$ 7 bilhões que vencerão desses contratos na virada do mês. Parece que os bancos querem rolar uma parte.