O presidente da França, Nicolas Sarkozy, defendeu ontem a adoção de critérios trabalhistas, ambientais e de saúde para regular o comércio mundial. O Brasil tem sido contrário à mistura desses critérios com as normas comerciais sob o argumento de que poderiam servir para alimentar o protecionismo das potências industrializadas. O Itamaraty mantém essa posição desde os anos 90.
Sarkozy negou a intenção protecionista. “A comunidade internacional não pode continuar a ser esquizofrênica, renegando, na Organização Mundial do Comércio (OMC) ou no Fundo Monetário Internacional (FMI), as decisões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial da Saúde (OMC) ou os compromissos proclamados em Copenhague.”
Não se trata, ressalvou, de adotar a mesma legislação em toda parte nem de impor aos países pobres os padrões do mundo rico. Além disso, será preciso ajudar esses países a implementar padrões sociais e ambientais mais elevados. Esse argumento foi usado em várias ocasiões, sem convencer os negociadores brasileiros, embora eles se queixem da vantagem competitiva de países com regras mais frouxas, como a China.
Sarkozy discursou na abertura da reunião do Fórum Econômico Mundial. Dedicou a maior parte do tempo à crise financeira global e à necessidade de reformas. Acabou aproveitando a ocasião para uma série de cobranças dirigidas a parceiros do Ocidente e do Oriente.
“Como podemos conceber que num mundo competitivo os bancos europeus tenham três vezes mais capital para cobrir riscos que os bancos americanos ou asiáticos? Regras financeiras combinadas em reuniões do Grupo dos 20 (G-20) não foram adotadas igualmente por todos os membros do clube”, queixou-se o presidente. “Temos de construir nosso futuro comum com base nos ganhos do multilateralismo, do G-20 e de Copenhague”, proclamou.
A cobrança estendeu-se às políticas de câmbio e aos desequilíbrios internacionais. “Países com superávit comercial devem consumir mais e elevar os padrões de vida e de proteção social de seus cidadãos. Países com déficit devem esforçar-se para consumir um pouco menos e pagar seus débitos.” A primeira parte foi, obviamente, dirigida à China. A segunda, aos Estados Unidos.
O câmbio, afirmou Sarkozy, é um elemento central desses desequilíbrios. “Não podemos ter um mundo multipolar e uma única moeda de referência em todo o mundo”, dise, em referência ao dólar. Em seguida, atacou a China e sua moeda subvalorizada. “Não podemos pregar o comércio livre e tolerar o dumping monetário.”
Em 2011, lembrou, a França presidirá o G-8 e o G-20 e vai por a reforma do sistema monetário internacional da agenda. “Precisamos de um novo Bretton Woods”, disse, referindo-se ao acordo de fundação do FMI, em 1944.
Ele ainda voltou a defender a cobrança de um imposto “sobre a especulação”, proposto pelo primeiro-ministro Gordon Brown, do Reino Unido, e apoiado por governos europeus, mas não pelo americano. Seria um dos passos necessários, afirmou, para a reabilitação dos sistemas econômico e financeiro.