O cerco está se fechando sobre a criatividade do mercado para as movimentações societárias. A mais nova moda, aquisições por meio de incorporações, terá que respeitar limites. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deixou claro seu entendimento sobre essas transações com a decisão do colegiado a respeito da união entre Duratex e Satipel.
Conforme documento obtido pelo Valor, sempre que uma incorporação entre empresas de donos diferentes atribuir condições inferiores aos minoritários, eles poderão vetar o negócio. Nessas circunstâncias, o controlador não poderá votar na assembleia que for deliberar sobre a transação, deixando a definição na mão dos demais investidores. Assim, terão ferramentas para brigar por condições melhores. Consultada, a CVM não comentou o tema, por não se tratar de informação pública.
Duas operações recentes – e relevantes – misturaram o conceito legal de venda de controle com as regras de incorporação e trouxeram insatisfação entre investidores, que temem a disseminação e ampliação desse modelo. A Lei das Sociedades por Ações prevê regras diferentes para alienações de controle e para incorporações. Desde que surgiu, a Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec) questiona esse formato.
A primeira transação que juntou os conceitos foi a criação da Brasil Foods, anunciada em 19 de maio. Pouco mais de um mês depois, o exemplo já tinha seguidores: foi comunicada, em sistema muito semelhante, a união entre Duratex e Satipel.
Em essência, ambas são aquisições. No primeiro caso, a Perdigão comprou a Sadia e, no segundo, a Duratex adquiriu a Satipel. Só que as operações foram realizadas de maneira menos trivial.
No lugar de pagar em dinheiro pelo controle, as transações foram feitas por meio de troca de ações, como incorporações.
A Perdigão incorporará a Sadia e a Satipel absorverá a Duratex – embora os donos desta última terão a maior fatia do negócio resultante da combinação. Nenhum dos negócios se concretizou ainda. Ambos ainda precisam passar por assembleia de acionistas.
As incorporações são alvo constante de crítica por parte de minoritários por serem compulsórias. Uma vez aprovada pela assembleia, elas acontecem sem alternativa aos investidores – gostando eles ou não das condições oferecidas. Quando se trata de venda de controle, a legislação prevê que o minoritário de ação ordinárias têm direito a 80% do que foi pago ao controlador. Nesses casos, os minoritários decidem se querem ou não vender seus papéis.
Porém, essas últimas operações mencionadas misturaram os conceitos. E a CVM deixou claro que isso não pode acontecer: ou o negócio é uma venda ou é uma incorporação.
Tanto na Sadia como na Duratex, os minoritários estão recebendo 80% ou pouco mais do tratamento dado aos controladores. E o argumento das empresas é de que essa é a previsão legal. Os minoritários, contudo, veem risco de que, como não são vendas e sim incorporações, haja espaço para transações futuras estabelecerem outra proporção qualquer e pior. Além disso, o formato transforma o direito do minoritário num dever.
As incorporações caíram no gosto das companhias porque são transações que não dependem, em geral, do aval da CVM. Precisam apenas passar pelo crivo da assembleia de acionistas de ambas as companhias envolvidas – incorporada e incorporadora. Além disso, dão um caráter de fusão aos negócios que, na prática, são alienações de controle. Para os vendedores há ainda o benefício de não pagar imposto sobre o ganho de capital da alienação do bem.
A partir do posicionamento do colegiado da CVM, o uso das incorporações só será simples como as empresas gostavam quando houver o mesmo tratamento para minoritários e para controladores.
Pela decisão da autarquia de terça-feira, a Duratex terá de submeter o negócio aos minoritários de ações ordinárias. Na assembleia em que o tema for tratado, o controlador não poderá votar.
Consultado, o vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Duratex, Plínio do Amaral Pinheiro, disse que não tinha conhecimento da decisão da CVM. “Temos trocado informações com eles [autarquia] e estamos imersos nesse processo [incorporação]. Até agora, não chegou nada para mim”, afirmou o executivo, no início da noite de ontem.
Segundo o regulador, quando houver tratamento diferente entre as ordinárias do dono e dos demais investidores, são os minoritários dessa espécie de papel que votarão na assembleia. Caso uma transação determine condições diversas para ordinárias e preferenciais, são os preferencialistas que decidirão na assembleia.
O entendimento do colegiado está fundamentado na crença de que ao negociar uma condição melhor para si – em comparação com os minoritários – esse acionista está auferindo um benefício particular. E a Lei das S.A. prevê que nesses casos o controlador ou o beneficiado não podem votar, deixando a definição para o suposto prejudicado. Trata-se, portanto, da extensão de um conceito já usado pela CVM para incorporações de controlada, no Parecer 34.
A decisão do colegiado foi tomada por três votos contra dois. A presidente da CVM, Maria Helena Santana, e o diretor Eliseu Martins seguiram o voto de Marcos Pinto. Na opinião dos dois outros diretores, Eli Lória e Otávio Yasbek, incorporações que dão tratamento diferente para mesma espécie de ações são ilegais, especialmente quando se trata de ações ordinárias. A legislação não permite a existência de classes diferentes de ordinárias. Todos concordaram, contudo, com a existência de benefício particular para o controlador.