Na onda das ofertas públicas de ações (IPOs, na sigla em inglês) dos últimos anos, as “poison pills” (pílulas de veneno) foram assunto recorrente nas mesas de reuniões entre empresários e advogados. Essas cláusulas, trazidas do direito comercial americano, foram inseridas na maioria dos estatutos das companhias que abriram seu capital. Em geral, o mecanismo obriga um eventual interessado na compra de parte das ações de uma empresa a fazer uma oferta pública de aquisição (OPA) a todos os acionistas.
O objetivo dos empresários era se proteger de ofertas hostis de investidores, preservando sua posição no controle da empresa. Mas, na prática, o sobrepreço criado pela medida desestimulou muitos negócios. “As poison pills são uma trava às operações de fusão e aquisição”, diz a professora de mercado de capitais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV), Érica Gorga. Um advogado que acompanha o assunto afirma que, nos últimos anos, pelo menos cinco fundos estrangeiros desistiram da compra de ativos no Brasil, após descobrirem que seriam obrigados, por estatuto, a fazer uma OPA.
Desde o início da crise, o debate sobre o impacto dessas cláusulas no mercado aumentou. A desvalorização das companhias na bolsa fez crescer ainda mais os olhos de investidores estrangeiros. “Muitas empresas precisam captar recursos e viram operações importantes sendo barradas. O veneno acabou funcionando contra o próprio criador”, explica Renato Ochman, sócio do escritório Ochman Real Amadeo, especializado em direito societário. Isso ocorre porque algumas companhias fixaram o “gatilho”, ou limite para acionamento da cláusula, em 10% a 20% das ações – ou seja, a exigência era a mesma para aquisições de participação minoritária.
No início do mês passado, a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) deu os primeiros sinais de que pretende mexer nessa questão. A entidade colocou em consulta pública uma norma que permite a retirada da cláusula de poison pills dos estatutos. Antes, isso só poderia ser feito após a realização de uma assembleia geral. Algumas empresas foram além: obrigavam os acionistas que votassem contra o uso das pílulas a fazer, eles mesmos, uma oferta pública para comprar os papéis dos demais acionistas (que não aprovaram a mudança).
A orientação está sendo discutida pelos técnicos da CVM e ainda não tem prazo para ser publicada. Porém, a manifestação da Comissão sobre o tema já está mexendo com o mercado. Segundo Ochman, algumas empresas procuraram o escritório recentemente para saber como suprimir as cláusulas de seus estatutos. Do outro lado, fundos de private equity (que compram participação em empresas) estariam sondando negócios no País.
Para o sócio da área de fusões e aquisições da Lefosse Advogados, Thiago Sandim, a nova normatização da CVM pode inaugurar uma nova fase no mercado de capitais, marcada pelas ofertas hostis e maior desapego ao controle. E isso pode ser positivo para as companhias. “Quase 70% delas perderam valor de mercado apenas dois meses após o IPO”, explica. A aquisição por uma empresa ou investidor, segundo ele, poderia transformá-la em ativo mais atraente. “Esse movimento – comprar, sanear e fazer novo IPO ou vender – foi bastante visto nos EUA e na Inglaterra.”
Na avaliação do advogado, uma possível restrição às pílulas de veneno também tornará as empresas mais eficientes. “Removendo as cláusulas, você permite que o mercado precifique os ativos. A empresa que não for eficiente perde valor e é absorvida. É a seleção natural”, afirma. Para a professora da GV Direito, a barreira à mudança de controle contraria as boas práticas de governança corporativa das empresas. “As poison pills impedem que ocorra uma troca na administração que poderia ser benéfica para os acionistas.”