Parafraseando Rodrigo Dalla Pria, uma vez que o conflito havido entre Fisco e contribuinte se define como uma patologia que afeta o Direito (material) Tributário, para remediar esse indesejável estado é crucial identificar os mecanismos disponibilizados nesse sentido pelo sistema.
Desse ponto parte-se, porque reconhecemos no sistema processual vigente, concomitantemente aos instrumentos processuais judiciais, a possibilidade de instrumentalizar a sobredita solução em ambiente administrativo. A referência aqui é ao processo administrativo tributário.
Processo compreende o conjunto de atos cujo fim é, justamente, solucionar o conflito de interesses, cabendo ao Estado-juiz, quando provocado, o dever de prestar a tutela jurisdicional ou, por outras palavras, exercer a jurisdição, atribuição predominantemente exercida pelo Poder Judiciário, sem prejuízo do atípico exercício por órgãos julgadores integrantes da administração pública em quaisquer dos âmbitos federativos (federal, estadual, municipal e do Distrito Federal). Reconhecemos, portanto, que no processo administrativo há exercício de jurisdição.
Fixadas essas premissas, passemos, então, ao objeto desse texto: a cooperação.
O código de processo civil/2015 (CPC) adota como um de seus pilares o princípio da cooperação \”que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo, estruturando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft), em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes (prozessualen Zusammenarbeit)\”. Trata-se de ferramenta que, conectando os atores do processo, busca eliminar o conflito de maneira justa, em tempo razoável e dialógica, com ativa participação do órgão julgador e dos litigantes — é nítida, pelo que se vê, a ênfase dada à integração anímica dos sujeitos da relação processual (partes e julgadores).
Se por meio da cooperação pretende-se pavimentar um caminho menos tormentoso para a extinção do conflito de interesses havido no bojo de um dado processo, há que se reconhecer que, em se tratado de processo tributário, sua aplicação não deve ser suscitada exclusivamente em âmbito judicial, consagrando-se, também, no processo administrativo. Assim, é dever subjetivo daqueles que atuam na solução de conflito no ambiente do processo administrativo tributário cooperar.
Contudo, não é apenas sob esse viés (subjetivo) que a cooperação se revela normativamente: o artigo 67 do CPC estatui dever geral de cooperação intrainstitucionalmente (viés orgânico), isto é, entre os órgãos e instâncias jurisdicionais judiciais, tendo tonalidade transprocessual, portanto — para além da relação processual constituída para fins de resolver específico conflito.
Ainda que em sua literalidade o referido artigo estabeleça um dever de cooperação interno às estruturas do Poder Judiciário, tendo-se admitido que o processo tributário se desdobra em duas faces — a judicial e a administrativa —, a depender da via e do foco ejetor da decisão, podemos e devemos reconhecer que esse artigo 67 é fundamento que assegura a cooperação entre órgãos jurisdicionais de diferentes espectros, assim entendidos os judiciais e os administrativos.
É a denominada cooperação interinstitucional, promovida entre entidades do Poder Judiciário e órgãos que, embora jurisdicionais, não compõem, formalmente, aquele Poder — talvez uma \”novidade\”, pensando-se o contencioso tributário a partir de uma concepção \”convencional\”, em que a independência das \”instâncias\” (e, consequente, incomunicabilidade) seria a tônica.
Assim nominada pela resolução CNJ 350, de 27/10/2020, objetiva, em linhas gerais, \”criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa\” e \”dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado\”, que nada mais é do que promover efetividade (solucionar conflito de interesse).
Tal como na cooperação judiciária, essencial o registro da solicitação, estando ausente, contudo, a definição do específico instrumento para a formalização do pedido de cooperação (atipicidade do meio) ou do conteúdo (atipicidade do objeto).
Cabível, portanto, a cooperação interinstitucional envolvendo a jurisdição judicial tributária, exacional ou antiexacional, e a jurisdição administrativa tributária, consagrada em qualquer etapa do ciclo de concretização da exigência tributária, para a prática de qualquer ato processual, como, por exemplo, troca de informações entre os órgãos jurisdicionais relevantes à solução do processo (em um e outro âmbito) — respeitado o direito ao sigilo —, coleta de provas, investigação patrimonial, busca de bens para prática de atos de indisponibilidade ou penhora, adoção de providências no sentido da consensualidade da resolução dos conflitos etc.
Sem dúvida nenhuma um rompimento de paradigma na gestão da jurisdição tributária, à medida que faz comunicáveis instâncias que ainda se apartam, como se constitutivas de sistemas autônomos.